quarta-feira, 2 de junho de 2021

Matando no peito o "respeito"


Vou apenas reproduzir o que eu soube da treta por matéria do Yahoo. Consta que tanto Caio Castro quanto Rafa Kalimann compartilharam vídeo em que um pastor diz ser contra relações homoafetivas, "mas respeitar". Obviamente pegou mal – para ser fortemente eufemística –, e o ator tentou consertar esclarecendo que é a favor dos relacionamentos homossexuais, "mas existem pessoas que não são, existem pessoas que têm suas convicções e seus costumes diferentes! Mas precisamos respeitar, não precisamos e nem devemos aceitar! Mas precisamos respeitar! E o vídeo que eu compartilhei é sobre esse ponto que o pastor está falando! Respeito, respeitar as pessoas independente de qualquer coisa! Eu sou contra ele ser contra, mas eu respeito a opinião dele! Tudo começa no respeito".

Caio, meu caro: não concordo senão com uns 3% disso aí, bem-entendidamente a parte do respeitar as pessoas independente de qualquer coisa, e mesmo assim com ressalvas. Defendo, claro, que se respeite incondicionalmente a integridade física de quem quer que seja, que não se humilhe ninguém, que não se promova qualquer tipo de tortura corporal ou psicológica; é porém impossível exigir respeito moral, pessoal, intelectual, todo vindo de convicção íntima, por criaturas que sustentem posicionamentos descabidos, sobretudo no século XXI. Vamos logo aos exemplos extremos: sou absolutamente contrária à pena de morte e seria sempre, ainda que tivéssemos no banco dos réus um assassino nazista, digamos; eu não me veria capaz de quebrar (ou deixar que alguém quebrasse) nem o menor dedinho do pé desse monstro; mas daí a respeitá-lo? Devemos então mostrar QUALQUER espécie de consideração com relação ao fato de que essa pessoa "tem suas convicções e seus costumes diferentes" – a opinião é por acaso um salvo-conduto, um passaporte para todo psicopata ou depravado ou salafrário ser ouvido com ALGUMA deferência? Se, digamos, um desequilibrado grava um discurso defendendo o extermínio de cães ou um projeto de poluição deliberada e agressiva das águas, convém ficarmos apenas sendo contra em nosso cantinho, mas respeitando a opinião dele? Ah! Caio, Caio: ISSO É QUE NÃO, meu querido. Não é nada educativo nem respeitoso com a humanidade em geral tolerar qualquer tipo de intolerância, calar-se diante do despropósito colossal que é dar à fala de um preconceituoso o mesmo peso, o mesmo espaço dado às falas antipreconceituosas. O peso JAMAIS pode ser o mesmo, se não é o mesmo – é aliás oposto – o valor.

"Mas pelo amor de Deus, o pastor que se pronunciou sobre homoafetividade não é um depravado, um salafrário, um nazista como seus exemplos aí, sua maluca!" Eu seeei, gente, nem eu disse que essa pessoa que sequer conheço se enquadra nessas categorias; como falei, minhas únicas informações sobre o furdunço foram da matéria do Yahoo, mais nada. Não sei nomes ou rostos. Quis exclamar simplesmente, apelando aos exemplos exagerados que costumam ser os mais didáticos (já que nos obrigam a redimensionar tudo, rearrumar tudo em perspectiva), que não passa de falácia consumada e redonda essa história de "respeitar opinião". "Respeitar opinião" se aplica quando um prefere novela, o outro filme; quando um curte montanha, o outro praia; quando um considera aquela a música da vida, o outro falece de tédio nos primeiros acordes. Em quaisquerzinhos terrenos que conduzam a preconceitos, que deslizem de encontro à dignidade e integridade humanas, no entanto, cabô negociação, cabô escuta, cabô diálogo: não tem cirandice de respeito à opinião não – é VOADORA (metafórica, naturalmente). De ouvidos moucos em ouvidos loucos foi que chegamos a este estado de calamidade factual, discutindo entre supostos adultos o formato de um planeta sobre o qual costumávamos já não ter dúvidas aos seis anos de idade. "Opinião" uma pitomba encarquilhada: em determinados casos, o direito do opinador se resume a calar a boca.

Mesmo na frugal descrição do enredo feita pelos yahoozers há elementos bastantes para fazer supor que se trata de um desses casos. "Mas gente, o cidadão não pode manifestar suas impressões a respeito de...?" – não, não pode; se não for para expressar apoio e solidariedade, pode é ficar quieto, do jeitinho que eu tenho de ficar quieta num congresso sobre física quântica: quem não pertence àquele espaço e/ou não tem nada a acrescentar, que ao menos não tumultue. Ora, se o pastor em questão não é gay e não foi pedido em casamento por nenhum homem, que carambolas de parte lhe toca para "gostar" ou "não gostar", ser "contra" ou "a favor" num assunto em que nada o atinge e nada lhe foi perguntado? Por acaso faço vídeos criticando a seleção da Croácia, o sistema de nomenclatura das estrelas ou a tecnologia dos balões meteorológicos? "Não, porque você não traria nenhuma contribuição para a área e, caso tivesse algum nome como influencer, possivelmente ainda prejudicaria o trabalho dos principais envolvidos." Mar num é, menino? bingão. Dependendo da quantidade de seguimores com que um indivíduo conta nas redes, uma interjeição, um suspiro, um muxoxo já causam considerável comoção, quanto mais afirmações contrárias a direitos tão penosamente conquistados – quanto mais essas faíscas de predisposição para a raiva caídas sobre a prontidão feroz da palha seca. O MÍNIMO que se pode esperar da decência daqueles que âââin, que saco, não sou obrigado a gostar é sentirem-se obrigados a engolir sua não-gostagem com farofa, e se recolherem à insignificância silenciosa dos "desabafos" sufocados que serviriam a perfeitamente ninguém.

A regra é e sempre foi claríssima: se felicidade, dignidade, plenitude do ser humano estão em jogo, "opinião" que não tenha sido treinada para ajudar baixa a cabeça e senta no cantinho do banco, ou senta melhormente na plateia e fica assistindo. Não pode de jeito nenhum é catimbar a vitória dos que estão há séculos pelejando em campo.

Nenhum comentário: