sexta-feira, 18 de junho de 2021

Poeira de estrela


Há exatinhos 85 anos falecia o romancista, contista, dramaturgo e ativista político russo Máximo Gorki, fábrica ambulante de citações, entre as quais destaco uma que me diverte imenso: "Deixar os outros espantados é uma coisa que alegra, se somos diferentes deles". Há mesmo sempre quem tenha falado ou venha a falar dos menores desdobrares de sentimento que carregamos em nossos cantinhos psicológicos, e devo agradecer ao agudíssimo russinho o haver iluminado essa esquina, essa espécie de vaidade engraçada – o desejo de boquiabrir, até se possível escandalizar, pessoas de quem diferimos prazerosamente. Ou o leitor queridão vai dizer que está imune a essa farrinha da autoestima? No lo creo. Somos parece que todos assim, adolescentes expandidos; gente normalmente apavorada de chocar seus pares e, em simultâneo, animadíssima de sapatear os próprios valores na cara da sociedade oposta. Gostando ou não, algo em nós acaba se legitimando, se afirmando pelo contraste – particularidade que já terá dado o empurrãozito definitivo, para bem e para mal, de muita subjetividade que caminhava no muro.

Não posso deixar de confessar: apesar de ser pouquissimomente dada a enfrentamentos e bastante inimiga de embates, tenho lá meu contentamento muito íntimo quando o povo com quem me identifico ZERO, e a quem não admiro, me aponta, pensa, menciona, "acusa" comunista, petista ou similares. É na realidade uma honra, e me encanta não só pelos títulos lindões que acaba me rendendo como pela sensação (sensafato) de que estou dando na cara de todas as concepções tortas e egocêntricas de humanidade que os acusadores adoram/adotam. Claro, QUEM sou eu para abalar em algum mísero milímetro todo um sistema estrunchado de pensamento (não, não é arrogância, é obviedade: dizer que, ou agir considerando que uma parte dos seres tem mais direitos que outra e deve receber privilégios dispensa qualquer consideração; não há debate possível). QUEM sou eu para desmontar convicções cretinas que só Freud e Chomsky explicam. Não sou ninguém além duma poeirita desse universalhão – e entretanto, naquele glorioso momento de ser tachada comunista petralha esquerdalha mortadela, sinto-me a designada representante da Força e sou todos os jedi, todos os passados e futuros defensores de uma ordem global igualitária. Não sou absolutamente eu (OK, sou eu um bocadinho) abalando Bangu e chocando opiniões, e sim um fragmento da Causa falando pela Causa e ajudando a que não haja nenhum instante em que ela não esteja por aí, absoluta, vaga-lumeando.

A coisa se torna mais divertida pelo fato de eu não ser exatamente o que se espera de uma, digamos, guerrilheira: jeito de boa aluna, de quem vai morar discreta e docemente no status quo com um sorriso de obediência, sem se atrever a questionar The man. Pois não me lembro de um milissegundo em que não o tenha questionado, de um microperíodo em que não tenha sido rebelde insuspeita e inquieta por trás do sossego que nunca foi sossego – foi sempre introspecção, apenas –, e lamento retoricamente que os péssimos profilers costumem julgar com tanta preguiça; em compensação, o profilerismo capenga dos que não esperam achar uma "comunista" sob a blusa do Mickey e a saia rodada propicia muitos nunca-pensei-que no mínimo interessantes. Só gostaria, admito, de ser vista como a ovelha vermelha da família mais às escâncaras; acho francamente uma vergonha não ter nenhum parente que seja me mandando para Cuba.

(Interessados, aliás, tenham a gentileza de me enviar a passagem; se não rolar de conhecer a terra de Fidel, troco por um voo para Brasília nos últimos dias de 2022 – para já amanhecer 2023 assistindo, coladinhamente, à chegada do Lula lá.)

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