sábado, 4 de dezembro de 2021

Craques da atenção


4 de dezembro é o Dia do Perito Criminal, uma gente de quem sou fã profunda desde tempos anteriores ao CSI. Lembro que ficava emendando episódios a fio dos Medical detectives, série de capítulos em geral curtos que mostravam a atuação dos peritos norte-americanos em true crimes icônicos. Eu me demorava na frente da TV inteiramente fascinada: às vezes era quase literal a história do pó do cocô do cavalo do bandido, com a diferença de que o pó em questão não desmerecia ninguém, au contraire, podia inclusive ser o ponto mais decisivo na condenação dos safados que por um triz não se safavam. Por um triz de cabelo, terra, gota, fio, DNA – que alguém finalmente enxergava, analisava e levava gloriosamente ao tribunal, como o elo perdido.

Tivesse eu algum quezinho (também microscópico) de pendor para as ciências, era bem capaz de me meter nesse universo pericial, mesmo sabendo que nem chega perto do romantismo e das facilidades técnicas estampadas por séries gringas. Não tenho dotes científicos – nenhunzito –, sou toda feita de histórias e para histórias; assim sendo, é como inveterada tiete de histórias que babo por enredos em que o caco da janela do carro, a felpazinha do carpete, o tipo de semente que só existe no local do crime e estava na sala do suspeito, a microponta da fita do saco de lixo faz as vezes do sapatinho de Cinderela que enfim se encaixa, e obriga tudo a se encaixar. E a arte que esse povo tem de chegar à cena do assassinato, relancear os olhos (não com a velocidade supersônica dos sherlocks ficcionais, naturalmente) e formar uma ideia bem razoável do andamento das ações? E a capacidade de distinguir os formatos dos espirros de sangue? E as estratégias para determinar a trajetória das balas? Galera sabe com assustadora precisão a altura de quem atirou, se estava sentado na cama, se estava olhando a vítima de cima, se era destro, se era canhoto – e a gente espiando de fora, pasmado de alguém ler com tanta translucidez onde os leigos só lemos o caos mais robusto. Particularmente, fico besta demais da conta.

Acredito seja exatamente o amor da verdade, sempre ele, que me derrama tanto para a função dos cientistas forenses; saber que estão ali esses craques da atenção mais arregalada – proficientes até o exagero na leitura de mundo, conhecedores da espécie de gabarito do Grande Enem construído pelas ocorrências – dá um interessante alívio: ALGUÉM vai entender a mensagem inapelavelmente gravada nas coisas. ALGUÉM vai ouvir e destrinchar a oratória daquilo que foi, daquilo que permanentemente terá sido. Suceda o que suceda, haverá visões treinadas para arrancar da matéria a confissão dos fatos, e nenhuma gana de negar as aparências e disfarçar as evidências há de deixar algo eternamente oculto sob o sol.

Nenhum crime se escreve sob silêncio perfeito. Para quem mestriza a arte de desenterrar sussurros – tem jeito.

Nenhum comentário: