sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Todo dia algo nasce


Disse há pouco que amava o Roupa Nova, o que inclui suas doces bregalhices natalinas – aquela que fala "eu tenho certeza que a gente podia/ fazer com que fosse Natal todo dia", por exemplo. Cafoninha, claro, como 96% das mensagens da época; mas olha que errada a música não tá: todo dia algo nasce no mundo afinal, fresco e natalício, azul e inaugurante, novo, imprevisto. Todo dia se catapulta uma história virgem do nada para a existência, e alguma coisa importante começa, e batem os sinos para um nosso bem.

Surgem crianças inéditas: quem há de dizer o que não entrará de essencial no planeta pelas mãozitas de cada uma, em futuro perto ou lonjo? Livros terminam de ser lindamente preparados e editados: quem há de saber o quanto não hão de se enraizar, como formação-mor, nos corações que terão cargo revolucionário na linha do tempo? Uma árvore principia a lançar raízes: sabe-se lá se não serão essas raízes mesmas a dar a última, a fundamental segurada no barranco que não virá a desmoronar sobre vidas que não se tornarão só fotografia, de um para outro dia?

Podem estar aterrissando no mundo cachorrinhos que reacenderão o riso de pequenos doentes. Pode estar acabando de ser produzido o filme que aproximará o casal mais fofo e se-pertencente do universo. Pode estar sendo concebida a cientista que descobrirá como curar o filhito desse casal. Pode ter saído do forno NESTE SEGUNDO a única música que acalmará bercinhamente esse filhito. Pode ter sido tirada exatamente HOJE a foto mais intensa e denunciante do século. Alguém pode ter visto pela primeira vez uma borboleta, e guardar essa memória para um poema do livro que justificará o Nobel. Alguéns podem – devem! – ter recém-trocado o beijo primordial, ou recém-casado, ou recém-visitado a casa que há de ser alugada como sua, ou recém-escolhido o nome do restaurante que abrirão em sociedade. Pessoas ainda agorinhamente falaram ou ouviram um primeiro "mamãe!", leram sua primeira partitura, assaram seu primeiro bolo, tiveram um primeiro cinema, Big Mac, mar, futebol, trabalho, pôr do sol ou qualquer outro enredo inaugural.

Começa sempre, mas não acaba nunca de ser Natal.

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