segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Se pudesse


Se pudesse, eu faria enfeites de feltro alegre – estrelinhas de riso escancarado, bonequinhos Star Wars, Harry Potter, Vingadores, todos de sorriso coringamente estendido e fitinha acetinada para pendurar na árvore, absolutos. Se pudesse, aliás, eu faria a própria árvore, das maneiras mais aproveitantes e loucas: de tampinhas de caneta, de galhos derrubados no vento, de pregadores, de livros, de lápis, de guarda-chuvas. Faria guirlandas de buganvília para disseminar nas portas e nos cabelos, faria bijus com pedrazitas de jardim, colares de retalho sobrante, anéis de garrafa pet sem rumo na vida, móbiles de embalagem recortada mi-nu-ci-o-sa-men-te em renda. Faria miniesculturas inteiras de clipe e caneta que desenha 3Dmente, e acessórios steampunk com pequeninas sucatas, e artes miúdas de pendurar com cola colorida, e sacolas coloridas com fitas entrelaçadas em paciência, e mosaicos com fragmentos revisteiros, e broches de flor artificial reinventada à moda millennial-barroca.

Se pudesse eu montaria telas com cacos de azulejo; tornaria em guipir algumas folhas vestidas de outono, a pormenores de estilete; arquitetaria marcadores de livro vindas das vísceras de outros livros, recompostas e envernizadas; teceria gargantilhas de botões tresmalhados, floreados, românticos; reencarnaria uns brinqueditos típicos de prenda junina em apetrechos para o lar – não há bobagem que um tanto de cola e de spray prateado não faça virar fruteiras estaile, ou semelhantes bugigangas. Se pudesse eu pensaria designs para noivas, e lhes cobriria os vestidos das miniflores mais levíssimas. Se eu pudesse, converteria cada mínimo canteiro em profusões de rosa, narciso, gerânio e quantas mais espécies se dispusessem a cobrir a cidade de nacos de beleza definitiva e cor perpétua.

E por que não posso me afundar em artesanatos, recriações sólidas, empreitadas artísticas, explorações de materiais que transpiram esperança de retomada e sobrevida? Basicamente porque só sei querer esses largos campos de criatividade de modo vago, com afastamento platônico; sei pensar com energia e interesse, mas sem suficiente potência querencial para trazer a coisa do Mundo das Ideias e comprometer-me com ela em projeto. Sim, é preguiça que chama – de buscar material e instrumento, de mergulhar em técnicas, de reservar lugar, tempo, grana, pachorra; preguiça de ir ao fundo do fundo de tudo que cruza a cabeça e pulula no sangue, ou um medo ora ajuizado, ora ridículo de desejar mais necessidades quando o urgente já permanentemente nos desafia.

O existir do tempo nos autoriza a escolher alguma covardia.

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