quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

O que foi possível


Certo, eu odeio mesmo e odeio muito aquela canção do "Então é Natal,/ e o que você fez?", pela chatice xarope da música em si e pela AUDÁCIA da cobrança – à qual respondo infalivelmente que fiz o que foi possível.

Mas andamos fazendo realmente o que é possível?

Manifestamos de fato a ternura que nos habita, em lugar de estocá-la cerimoniosamente para ocasiões de gala que talvez fujam daqui a minutos, para nunca mais, num ônibus passante na esquina? Distribuímos o real excesso de nossos excessos, em vez de os ajuntarmos num eterno cofre esplêndido destinado a meras hipóteses? Ouvimos de-verdademente o que nos cabia ouvir, o que era mesmo destinado a nós, leigos e próximos – e não ainda ao psicólogo, que só depois entraria com sua audição profissional? Sorrimos quando a nossa única justificativa para não fazê-lo era uma pressa, um incômodo no braço ou na garganta, uma TPM que claramente não teria piorado se nos dignássemos a saudar alguém com olhos risonhos por trás da máscara?

Cumprimos tarefas basiquetes que só tinham a preguiça como potencial fator de não-cumprimento? Obedecemos às nossas arraigadas intuições que não levariam vantagem alguma em ser mentirosas? Fomos pela direita (na escada rolante e na calçada! SÓ na escada rolante e na calçada!!) e destrancamos o fluxo com um micropassinho corrigidor de rota? Pagamos para outrem todos os pratos de comida obviamente urgentes, demos todas as forcinhas sem dúvida emergenciais? Compartilhamos os desmentidos de fake news confeccionadas para atirar no peito da democracia? Fizemos listas para evitar gastos fujões? Fizemos força para evitar escapes de palavra crua? Olhamos (ao menos uma vez) a lua?

Plantamos o que quer que fosse plantável – flores, conselhos, temperos, poemas, árvores, ideias? Cantamos e contamos para crianças dormirem? Relatamos fatos para adultos acordarem? Aceitamos apoios oferecidos com amoroso orgulho? Topamos aventuras viáveis? Caçamos alternativas lúcidas? Arrastamos teimosos para a vacina? Regamos sonhos alheios testemunhados em semente? Demos uma particulazinha de chance aos desacreditados? Choramos uma cota razoável de emoção humana, ainda que fosse em novelas? Escrevemos bilhetes com um pingo de consideração embutida?

Fomos membros associados da vida?

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