domingo, 26 de dezembro de 2021

Que


Ainda não é hora dos fogos, mas já desejo (desejando, aliás, que não haja fogos, e no lugar entrem quaisquer formas de celebração desbarulhada): que todo dia se acesse o Climatempo para ver se há previsão de arco-íris. Que se normalize em definitivo a não-passagem de roupas. Que cada qual conte com seu próprio grupo irmanado pela fina capacidade de compreender todas as piadas internas, sem que, no entanto, as referências interníssimas a um grupo soem arrogantes à rotina e à vivência de outros. Que as pessoas se associem sem se monoliticar e escutem sem pré-repelir (a não ser fascismo: fascismo você escorraça na voadora, antes que diga boa-tarde). Que não se pergunte mais a ninguém quando vai ter filhos – no máximo se.

Que todos tenham domicílio inalagável, insoterrável, indespejável. Que as contas não devorem a parte do orçamento destinada à paz. Que nenhum coração de criatura considere aceitável a destruição como possibilidade de deixar sua marca no mundo. Que vacinas parem de ser aventadas como problemas, elas que há séculos portam soluções. Que árvores de Natal continuem sendo armadas o quanto antes, não porque Leader, mas porque lindas. Que livros sejam pegos, dados, amados e tidos como alimentos ou brinquedos. Que não haja censura, porém impere a bom-sensura. Que se soprem bolhas de sabão com as crianças. Que as temporadas do Papo de segunda sejam renovadas pelos séculos dos séculos. Que o padre Júlio Lancellotti seja renovado pelos séculos dos séculos. Que Emicida suba ao Ministério da Cultura assim que voltarmos à programação normal.

Que a audiência, silenciosa e renhidamente, grite um boicote monstro a toda empresa que nos queira meter um monopólio pela goela (sim, é com você, Disney, por mais que eu lhe ame as obras; meu cérebro não é binariozinho). Que todos tenham sobrinho, sobrinha, enteado, enteada, afilhado, afilhada a quem estragar de presentes fofos. Que se façam festas temáticas. Que não se pire na faxina. Que se afugente o mofo dos neurônios e das paredes. Que se aceite como não-da-conta-de-ninguém a orientação romântica de outrem, e só se busquem detalhes sobre o/a companheire alheie para não se errar no presente de níver ou Natal. Sim, que se pense no Natal ainda, muito, forte e (e)ternamente, mesmo que em março, mesmo que em julho; não se desgarre de nós como asterisco e símbolo de reinício sempre verossímil, no matter what. Não importa quem.

E que o nosso barbudinho volte logo, para o nosso bem.

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