terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Proparoxítonas


Sabem o que parecem as proparoxítonas? Lâmpadas orientais semitransparentes com luzinhas pequenas, macias, que queimam românticas veladas pela seda. Parecem tardes em que o sol vai caindo precoce, alcança cedo seu pico e cedo entardece, enchendo tudo de rosa liláceo; parecem vidros de tão voltadas para o translúcido, para o outonal, o primaveril, a véspera – já não é lírica por demais a própria menção da véspera? Lírica, poética, esplêndida, simpática, magnífica: quase toda adjetivação proparoxítona ganha ares de púrpura, por dramática e solene que se torna logo que escorrega da escrita ou da fala. Proparoxítonas são de essência roxa, crepúscula; são, na língua, trajes operísticos ou vestidos de festa, roupas bordadas de pirilampo para frases categóricas. Não se usa proparoxítona sem se estar engajado em fazer o mínimo de cerimônia.

Quase sempre um termo de força antepenúltima tem um quê de fluido e diáfano, mas nada impede que o enigmático que vive nas proparoxítonas ganhe ares de lúgubre, tétrico, hipocondríaco – vide a fácil coleção de palavras esdrúxulas que um Augusto dos Anjos usa em suas linhas: amoníaco, inorgânica, túmulo, fatídico, víscera, acérrimo, pólipo, sarcófaga. Proparoxítonas dublam o mistério em si, sendo portanto natural que sua alma arroxeada e mística se materialize tanto em luz difusa de abajur lilás quanto em veludo fúnebre, em cenário de luxo fantasmagórico; são um vocabulário de qualquer modo excêntrico, mirabolante feito malabarismo, irregular, gótico, barroco e acamurçado. Até para rimar essas joias da extravagância se fazem difíceis, com sua mania meio steampunk de serem peças únicas, fadadas à incombinação – monstrinhos esquisitos fabricados por mãos artesãs.

Em compensação, rimar proparoxítonas com exatice sonora é a glória dos rimadores, e exige artes interessantíssimas de ignorar o que é visível para aclamar o que é pronunciado. Daí que formas verbais entram no baile e nascem duplas aparentemente estrambólicas: "apêndice" e "vende-se", "apólice" e "colhe-se", "hélice" e "desvele-se", "cálamo" e "fala-mo"; não são propriamente achados, são entalhes na madeira ou na pedra, reproduções de gemas que a natureza já deu por lapidadas. Há um gozo límpido em fabricar semelhanças raras, convergências não óbvias, e sim de eleição – fabricar, basicamente, contextos em que termos tímidos se toquem numa dança comum. Porque é isso que são também as solenes proparoxítonas: pérolas tortas com sede de colar, mas com vocação de solitário que coroa o anel, afastado, inatingível, eremítico.

Proparoxítonas são o idioma em estado crítico.

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