sábado, 18 de julho de 2020

Enriqueçam

Foto profissional gratuita de arte, criativo, desenho

Sigo no Facebook o maravilhoso perfil Cientista Que Virou Mãe, que, em post recente, disse com propriedade e lindeza a respeito das ansiedades e apatias vinculadas ao longo período de quarentena: "ENRIQUEÇAM SEUS AMBIENTES. Quando estamos em sofrimento, esquecemos que habitamos um corpo que é muito potente. Ele se molda aos desafios que vivemos. Mas é preciso dar uma forcinha. Mude a rotina. Mude as práticas. Faça coisas que você consideraria sem propósito. E, tão importante quanto, estimule as crianças a fazerem o mesmo, envolva-as nas atividades. Isso também é ciência, ciência a favor da humanidade, ciência para persistirmos, ciência para resistirmos, ciência para melhorar vidas".

Achei já profundamente rica de si mesma a recomendação de enriquecer ambientes – não custando sublinhar, é óbvio, que nada tem a ver com o investimento de dinheiro gordo na decoração; ornar a casa de peças compradas não é algo acessível à maior parte do país e talvez do planeta, porém, como está claro no texto da autora, o incremento sugerido foge ao material e envolve o depositar de criatividade, vida, afeto, experiências. É questão de abrir janelas nunca abertas (denotativas e conotativas), de aprender junto a dançar valsa na sala, de promover faxina musicada, de montar cabaninha com cadeira e lençol, de propor o desafio de reinventar objetos (prato pode virar tela a ser pintada e pendurada, panelas podem virar capacetes menino-maluquinhos, shampoos e embalagens outras podem virar prédios da minicidade), de retomar a velha atividade de plantar e crescer feijõezinhos, de agitar um desfile de bonecas e modelitos de papel. É questão de contar história para chamar ou para espantar o sono – não precisa ser lida: todos somos feitos de água e histórias –, é questão de bolar um teatrinho de sombras, de encher o quintal de bolhas de sabão, de inaugurar a sessão-pipoca todo sábado, de seguir em família um tutorial insólito no YouTube, de escolher um lugar do mundo para bater perna no Google Maps, de organizar exposição de desenho indoors, de incentivar o filho a sozinho caçar respostas para dúvidas palpitantes, de estimular o filho a também estar-se e refletir-se e mergulhar-se sozinho: não é porque papai, mamãe e manos não estão sempre disponíveis que as opções acabam, nem porque não há movimento externo que as engrenagens de dentro se interrompem. Um ambiente rico de possibilidade e ideia põe saúde até no tédio, mesmo porque não existirá tédio – no máximo pausas aparentes, físicas, enquanto atualizações do software rodam em segundo plano.

Nossas cabeças são ininterruptas, ágeis inclusive no sono; melhor, então, que seja a criação e não a piração a alimentar essas turbinas. Que leiam, que vejam filmes, que pintem paredes, que resgatem álbuns (fotográficos e musicais), que façam poesia, que façam bijuteria, que inventem instrumentos, que aprendam acordes, que estudem mapas, que ensaiem receitas, que acampem na varanda, que rearranjem os móveis, que recauchutem os móveis, que customizem roupas, que flertem com outros idiomas, que brinquem de abrir e ler a esmo o dicionário, que brinquem de projetar alternativas de aniversário. Se os humanos estamos todos fadados a ser mar perpétuo, de sinapses num indo e vindo infinito, que seja redemoinho minimamente viável e são, ou mais moinho que redemoinho: mais aproveitamento cantante do vento do que o caos da voragem.

É crucial nos embebedarmos de caminhos para aplacarmos significativamente a ressaca de nós.

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