terça-feira, 7 de julho de 2020

F(r)estas

A imagem pode conter: noite

O tchonc-tchonc-tchonc da máquina de lavar, botando compasso nas musiquitas que cantarolo em acompanhamento. As filas entusiasmadamente agitadas das formigas na cozinha, insinuando sempre o furdunço de expectativa de algum evento. O bate-bate das franjas redondinhas do toldo, ventadas em balé. Os reflexozinhos de sol que vêm de janelas vizinhas e às vezes desenham na parede (foi, outro dia, um coração de luz estampado na sala). O plinc-plinc-plinc de mensageiros dos ventos também vizinhos, dançando as mudanças de clima.

As vinhetas de telejornais, aberturas de programas e jingles de propaganda que eu mesma danço malucamente. A perspectiva cantante do episódio inédito visto em sossego. Uns efeitos de certo sol, de certa hora, que fazem a fotografia da casa com mais lindeza. Umas gargalhadas constantes de alguma moradora próxima. O violino de outro morador próximo que celebra, lírico, as Ave-Marias. As palmas gerais depois do violino. O cheiro de bolo assando que às vezes se espreguiça no corredor do prédio.

Os assobios felizes dos miquinhos diurnos e dos morcegos noturnos na temporada de caça às mangas. As boas-tardes e bons-dias gritados das maritacas. O canto esdrúxulo da ave caseira que quase diz direitinho, em algum outro andar: "Tem alguém aí?". A alegria em estado puro de quando chegam as compras e tem pão francês prometido pro lanche. O Matte Leão com pêssego bebido anarquicamente no gargalo (bebo sim, que o bebo sozinha, pronto). As sacolas plásticas que volta e meia se desprendem para o mundo, em coreografia aérea. As folhas de árvore que as imitam e giram, giram, bailarinando até o chão. 

Os biscoitos amanteigados descobertos no mercado virtual com a potência de um tesouro pirata. Os achocolatados sem lactose que acarinham por dentro. As vozes nada veladas da vizinha na conversa debruçada na janela. O casal de senhores que vem demoradamente ver a chuva na janela. O casal de jovens que vem delicadamente regar as flores na janela. O gato (do casal de senhores? do de jovens? de mais outrens?) que vem governar o planeta na janela. A cadência metálica dos elevadores. A batida metálica da porta das escadas. Um concertozinho quase não notado e quase tomado como silêncio em segundo plano: o tinc-tinc de pratos usados, o plum-plum da Sessão da Tarde, o esparso das buzinas, o longe das freadas, os estalos dos móveis e grades e aparelhos, os doze ou vinte bem-te-vis seguidos, os te-vis que se seguem em harmonia e resposta, o ocasional de um helicóptero, bateres de panelas, bateres de obras, broncas de mães, fffffssshes de folhas. Esses tudinhos tão já costurados no dia que nem notamos a execução permanente do hit. 

Havendo vida, há convite.

Nenhum comentário: