domingo, 25 de julho de 2021

Amor multiplica


No evangelho da missa de hoje, a célebre multiplicação promovida por Jesus a partir de cinco pãezitos e dois peixes. É sempre tão comovente ler esse amor total, esse que é como devem ser todos os amores: espalhador de farturas e contentamentos sem teto de gastos, não se excedendo em extravagâncias e sim em importâncias; o amor, afinal, não está ligado em pirotecnias egoístas, superficialidades teatrais, odisseias dispendiosas, encenações de vento. O amor se concentra em saciar fomes, não se ocupa de caprichos; especializa-se em fornecer conforto, não trabalha com luxo; foca ardentemente em suprir necessidades, moldar felicidades, preencher carências – só olha de maneira secundária e de esguelha para birras voluntariosas. Com o amor não tem essa de quero porque quero: opera-se apenas em modo dou-lhe aquilo de que precisa.

O amor não multiplica feito doido os brinquedos, jogos, sapatos, roupas, celulares dos filhos; provê o básico na medida de seus alcances, claro, mas de jeito nenhum favorece exageros de consumo nem compactua com as voragens de um sistema concebido para moer gentes (e ambientes). O amor multiplica chances de sentar com o guri ou a guria para fazer e ler histórias, criar carrinhos de PET, bonequinhos de pano antigo, cabaninhas de lençol; o amor multiplica coreografias do "Baby shark" em família, cultivo de hortitas nas embalagens de refri, discussões mente-solares de cenas de filme e novela. Multiplica teatrinhos de sombra, passeios virtuais em museus, invenção ou partilha de instrumentos musicais, conversas sérias e ternas sobre a atitude com o coleguinha, abraços, colo, escuta – doze cestos diários de escuta, esses sim transbordantes a gosto. Abarrotados sem risco.

O amor não multiplica joias e excentricidades afins durante a conquista, muito menos cobre com capas de ouro suas culpas; quem abusa de iscas tão exteriores é porque se acha incapaz de interioridades válidas, e pior: por não ter profundidades, está igualmente convicto da rasidão do outro, a cuja compra se considera autorizado. O amor não multiplica perseguições e controles tampouco, em forma de "onde você está?", "quem é esse?", "manda uma foto" e demais possessividades romantizadas; nunca se extravasa ou se demonstra em ciúmes, nunca se materializa transformado em hemorragias de tensão e dor. O amor multiplica olhares descobridores, não cobridores – cobradores, nem pensar – do ser que se ama; multiplica zelos de formiguinha, atenções levadoras do doce favorito, montadoras de álbum de lembranças, adivinhadoras de presente simbólico, providenciadoras de cobertor, de remédio, de cartão de níver, de fones sobressalentes. O amor multiplica críticas que abraçam feito elogio por serem servidas na temperatura certa, multiplica conselhos precisos mas macios, observações temperadas de açúcar, apoios que não azedam mesmo depois de fornecidos longamente, lealdades que não cedem a nenhuma zanga, nenhum ressentimento, nenhum rancor.

Amor que sabe pertencer sem sufocar ou sufocar-se: multiplica, Senhor.

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