domingo, 18 de julho de 2021

Manifesto antikyraelista


Salve-se quem puder terminou anteontem e eu ainda não me conformei suficientemente com o fato de Kyra, uma das três protagonistas, ter ficado com Rafael (Bruno Ferrari) e não com Alan (Thiago Fragoso) – e juro-juradinho que não o digo por simples enfofuramento relativo ao galã rejeitado, embora nunca tenha escondido meu fraco pelos cachinhos e pela doçura do ator. Nada contra o ex-noivo e renoivo da personagem de Vitória Strada, tampouco; o moço era boa gente, mostrou-se leal e compreensivo, manteve-se apaixonadíssimo pela linda mesmo quando achou tê-la perdido sem chance de repescagem. O fator música do casal talvez pudesse igualmente me tornar suspeita: não nego, gosto bem mais do tema de Alyra que do de Kyrael; porém admito que este último funciona excelentemente em cena, com seu refrão forte, grudento e adequado para os incontáveis beijos na chuva. "Por que então te revoltaste contra a escolha da mocinha, ó insuportável?" – simples: porque achei um desserviço à causa da adoção, representada pelo herói repudiado, em nome da glorificação da família biológica, materializada pelo rapaz eleito.

Para quem não acompanhou a trama, explico. Antes dos furacões literais e metafóricos que jogaram o trio protagonista no Programa de Proteção à Testemunha, Kyra andava de casamento marcado com o empresário vivido por Bruno Ferrari, e ambos sonhavam com uma família doriânica de quatro filhos (dois meninos e duas meninas) que já estavam até pré-batizados. Uma vez "transformada" em Cleyde, a moça foi trabalhar na casa do advogado-fofura vivido por Thiago Fragoso, viúvo, estéril e pai de três filhos adotivos com a falecida esposa – um já em alta adolescência, quase adultice, e um casal de terríveis e amorosos pestinhas de quem a co-heroína virou babá (clássico dos clássicos). A tradição exigia que "Cleyde" e Alan se apaixonassem; eles logicamente se apaixonaram; e seria absolutamente fabuloso se, após a resolução da treta central do enredo e o retorno das disfarçadas às identidades originais, a arquiteta percebesse não ter necessidade alguma de carregar quatro barrigões para constituir seu núcleo familiar sonhado: o núcleo familiar já ali estava, acolhedor, pulsante, carinhoso, com espaço pleníssimo para uma nova mãe do coração.

Certo, o autor é soberano no desenvolvimento de sua obra, não discuto – nem pretendo dar golpe de Estado em seus direitos inalienáveis; também não digo que Rafael não merecesse sua recompensa depois de separação tão brusca e espera tão longa (antiguidade, reconheço, é posto). Posso, entretanto, lamentar que se tenha deixado deslizar a oportunidade de exaltar mais ainda a adoção, a constituição um pouco menos ortodoxa de família, como uma alternativa inteirissimamente capaz de equivaler à felicidade para a mocinha romântica; esta afinal, no apagar das luzes, praticamente voltou ao estágio inicial de cinderelices, pedidos molhados de casamento e buquês comemorados nos braços de seu Prince Charming, solteiro e (até onde se sabe) fértil o suficiente para gerar quatro bacuris. Não, não gostei, por não ter visto em Kyra a evolução natural que tantos sofrimentos e peripécias trouxeram às duas outras heroínas; se romanticamente o lobby dos pretendentes se equivalia, não custava ter deixado que o aspecto lindamente social pesasse como fiel da balança.

Às vezes basta, para a realidade tornar preferido o preterido, uma lasquinha de ficção fazendo a diferença.

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