segunda-feira, 5 de julho de 2021

Salve-se quem puder


OK, admito, tenho voltado a dar umas acompanhaditas em novelas após um período de amofinação sabática (mesmo assim, quase sempre começo pelas espiadas de comercial, pelas esbarradas de zapeamento, até que os ois aqui e as ceninhas clandestinas ali me pesquem em definitivo – ou repesquem, como no caso dA vida da gente. Primeiros capítulos e suas fúrias de apresentação de personagens, cenários, trilhas me deixam absolutamente amargurada, com a honrosa exceção das tramas de Lícia Manzo; lembro que terminei o episódio inaugural de Sete vidas com o encantamento vibrando quentinho no peito, apaixonada até pela abertura, e só me custou um bocadito ceder à atual reapresentação das seis porque EM GERAL não gosto de revisitar nada. Dona Lícia obteve de mim que eu quebrasse essa regra e esse desconforto). Não assisti a coisa alguma das nove horas, é verdade, salvo os últimos três ou quatro dias de Amor de mãe; convenhamos que o dedo de escolher reprise para o horário tem sido podre – Fina estampa ganha fácil um canto no pódio das maiores bombas dramatúrgicas de todos os tempos; quanto a Império, FRANCAMENTE. Em compensação, me embolei ano passado com Totalmente demais, que não tinha visto em sua primeira "encarnação" (adorei), e agora pego desde os rabichitos finais de Malhação até o fim da trama das sete, a que chamo carinhosamente de "novela bocó". Sim, é bocó, odeio de morte as coisas bocós e me apeguei a essa; quem nunquinha?

O problema de voltar a ver novelas, porém, é que mui depressa a gente relembra por que parou de vê-las. Se as irritâncias continuam ali, o que mudou para que eu entrasse novamente nesse barquito pré-afundado? vós me perguntareis, como pessoas sensatas e lúcidas. E eu vos direi: certo perdi o senso; não faço ideia do porquê de estar reaturando essas bagaças, em especial a Salve-se quem puder, cujo título não deixa de ser bem fiel ao espírito da coisa; ou ando em momento particularmente zen, ou tão traumatizada com o enredo do país que os olhos se anestesiaram e arriaram as defesas, pasmadíssimos. De qualquer modo, a fase de tolerância insólita não anula a plena consciência dos disparates que nos empurram pela goela – posso facilmente apontar uns que sapateiam sobre nós, eternos e robustos:

Personagens que, após qualquer acontecimento ou diálogo, PRECISAM resenhar o bagulho consigo mesmos em voz alta, o que depõe mil por cento contra a opinião que a produção parece ter da inteligência do espectador AND coloca os atores em situação deplorável. Tem de ser muuuito Tony Ramos para segurar na dignidade um solilóquio autoinstrutivo, senhores.

Personagens que claramente necessitam duma nebulização emergencial ou bombinha de Aerolin, já que sussurram O TEMPO TODO.

Personagens caricaturais, histriônicos, histéricos nas características, como seres de Zorra total encarcerados num só pensamento e bordão.

Personagens que, assomados pela raiva, destroem o que houver pela frente, sem a menor consideração pelos nervos pragmáticos do público – que imediatamente desembarca do drama para lamentar o valor das peças quebradas e se perguntar quem é que agora limpa e arruma aquela joça.

Musiquinha de comédia, vinhetinha de comédia, barulhinhos de comédia. Aliás, trilha sonora/incidental onissonante, avisante ao estrupício do espectador como ele deve se sentir segundo a segundo.

Flashbacks de coisas que vimos há CINCO MINUTOS na porqueira do capítulo, porque naturalmente a audiência, além de imbecil, tem memória de peixe de aquário.

Entreveros facílimos de desatar com 1,4 minuto de diálogo ou um áudio no zap, mas estendidos por 823 semanas de choro e ranger de dentes dentro e fora da tela.

Justiça seja feita, entretanto: praticamente nenhum desses e doutros miniexposed se aplica ao que Lícia Manzo já apresentou, ela sempre respeitosíssima e quase veneradora de nossa capacidade de tirar conclusões sem que obviedades algumas nos sejam gritadas na cara. Reservo as observações ranzinzas para os demais folhetins, com menção desonrosa para o das sete, ao qual tenho concedido sem cegueira um passe para me azucrinar dia após dia. Mais confiança nos neurônios do público, autores, eu vos suplico: já não estamos em grande parte diplomados nas manhas da sutileza por tantas séries que não têm nem tempo de nos subestimar? Não, os espectadores não são energúmenos com amnésia, são gente habituada às montanhas de informação da Marvel, easter eggs, referências a outras mídias, personagens cujo olhar amoroso ou arrependido ou odiento só será explicado 37 episódios à frente – e sobrevivemos todos, pleníssimos. Em caso de dúvida, 20 segundos de troca de figurinha no Face ou no Twitter resolvem.

(Mas afinal por que eu consinto em passar pela provação das 19h? Thiago Fragoso, mores. Bota Thiago Fragoso no trem – que resolve também.)

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