terça-feira, 13 de julho de 2021

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"Como você recarrega as energias?", questionou ontem um bloco do Papo de segunda – ao que principiei a responder mentalmente ainda no decorrer das assuntações. Eu não poderia, é verdade, inserir entre meus itens energéticos alguns que frequentam um muitilhão de listas; não citaria a música, por exemplo (gosto de dançá-la e ouvi-la em festas, mas não acorro a ela no dia a dia e frequentemente a acho mesmo incômoda, roubadora de silêncio), nem poderia mencionar a meditação que não faço, os bichinhos e plantas e crianças que não tenho, os exercícios físicos que O-DEI-O, o café que meu estômago não autoriza, o sono que durmo a contragosto. Não posso elencar o mar, que curiosamente NÃO está disponível para todo carioca arrastar a tiracolo (e ainda que estivesse: preguiiiiçaaaa de me encher e desencher de sal e areia, credo); não posso alegar chocolate, que curto mas do qual fico a quilômetros de necessitar; não posso lascar "filmes", que adoro de nascença e entretanto não busco com frequência quase nenhuma na TV ou no streaming, por aversão a empenhar o tempo com muita compridez. Sou, enfim, de uma tortice tão enervante que dificilmente posso ser reenergizada por compromissos longos ou coisas trabalhosas, normalmente achadas fáceis por humanos-padrão – e descarregaria completamente antes de cogitar pegar metrô ou ônibus, vestir maiô ou tênis, obedecer de maneira voluntária a novos agendamentos e acrescentar correrias de relógio apenas para catar uma qualquer tomada.

Passarinha que sou, careço de ups mais práticos e livres, avulsos como beber em flores. Livros, por exemplo – essas gracinhas que estão eternamente on e sempre à disposição, sem nenhumas burocracias de fio, wi-fi, energia elétrica; fora que, maravilhosamente, não é ninguém mais que determina o tempo empenhado, o tamanho da sessão, a ordem da leitura (em caso de crônicas, contos, poemas), o momento da parada; desprecisa menu ou controle remoto, negociação com outrem, comida especial, ritual, aparelho, aprimoramento acústico (aliás, que BÊNÇÃO o livro ser silencioso!). Outro recurso de reenergização imediata que é puríssima obviedade: as refeições, das quais saio esperavelmente mais criativa, mais disposta a empreitadas. Outro: os diálogos da novela das seis, e não somente eles; também a luz e a direção de arte de modo geral – como fazem bem os ambientes ricos de cor, flor e detalhe! Outro: mato, cheiro de mato, umidade de mato, fartura verde e sombreada de mato com sua permanente essência de pós-chuva. Outro: amendoim, que dá um baratão na alma e, ainda mais que chocolate, parece que completa o tanque de inspirações inéditas.

Recarrega-me a pilha um banho simples, que promove um contágio do frescor denotativo para o metafórico; uma garimpada bonita na Estante Virtual; uma boa escolha de presentes; um passeio absolutamente desagendado por feiras antiquárias, badulacas, artesanais; bistrôs/cafés charmosos; montanhas-russas; mate e chá preto (minha cota gastricamente aceitável de cafeína); O vestido ideal; lojas de decoração alternativazinhas; bazares; brechós; histórias de encrencas familiares de outros séculos, histórias de amor, histórias de assassinato devidamente resolvido – histórias. Essa matéria que, juntamente com pó de estrela, compõe nossa carne, alma e estofo: nós, autores inatos.

(Mais que de fato estelares, somos universos de fatos.)

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