sábado, 24 de julho de 2021

Crushes funcionais


A gente sempre tem atividades sonhadas para o antes-de-morrer, mas a tendência é que sejam sonhos brincáveis: tirolesar de um lado a outro do precipício, fazer um boneco de neve ("Do you want to build a snooowmaaaan?"), andar numa especificamente alucinante montanha-russa, adentrar um castelo romântico, reproduzir com uzamigue uma cena de musical. Existem também, no entanto – pelo menos existem chez moi –, as vontades funcionais que nos esvoaçam às vezes, os mosquitinhos de cisma que nos sugerem outras tarefas, ainda que apenas etereamente consideradas; não são carreiras que necessariamente seguiríamos, são impulsos, abstrações, curiosidades ou paqueras que tanto poderiam derivar sim em matrimônio profissional quanto evolar-se, coração-partidas, ao sopro do primeiro estágio. Alguns crushes funcionais com que eu talvez viesse a dar um bocadinho de match:

Compor a identidade visual de personagens de filme ou novela, em especial figurino; como feliz garimpeira de sebos, pressinto que seria também garimpeira felicíssima de brechós, reunidora saltitante de adereços, trajes, bobagices de cena, conceitos de personalidade completos e traduzidos em look. Adoraria da mesma forma caçar peças em feiras, ambulantes, antiquários – perseguir bibelôs, bonequinhos, almofadas, cartazes, cortinas, papéis de parede, móveis estaile, todos os elementos que criassem em torno dos cidadãos ficcionais uma verossimilhança de gosto próprio, de vida autônoma.

Ser personal shopper de presentes. Gosto de achar coisinhas especiais, como aliás acabaram de constatar; por que não expandir o escarafunchamento profissional para o ramo dos mimos de Natal, aniversário & demais calendarices?

Montar vitrine de loja. Sim, admito, já quis ser vitrinista – e não somente poder PIRAR no chamariz do estabelecimento como poder brincar de vestir TODOS os manequins do lugar (sendo grandão) com as combinações de minha escolha.

Desenhar vestidos de noiva, estar cercada de vestidos de noiva, ter acesso a um acervo nível Kleinfeld de vestidos de noiva, ajudar e acalmar a noiva, perguntar à noiva: "Esse é o seu vestido ideal?".

Artesanar.

Bolar capas de livros.

Bolar desafios intrincadíssimos para a revista A recreativa.

Ressuscitar de arquivos antiquíssimos os escritores – e mui especialmente as escritoras – que interesses escusos apagaram da História.

Criar e decorar fofissimamente casinhas ou apês lindos, dignos, completos a serem dis-tri-bu-í-dos, sem custo algum, ao maior número possível de pessoas necessitadas de moradia (tooooorçam para que eu ganhe na Mega da Virada, amados meus!).

E um montão de etceterições semelhantes, todas relacionadas a invenção e busca. Não minto quando me digo pássara: sou beija-flor no coração e n'alma desde há muito, desde cedo, desde sempre; e, se sempre vou ser pequenina demais e inquieta demais para a maior parte do que deveria ser feito, se tenho infinita a convicção de estar fadada a catar beleza e doçura para beber mesmo em canto inóspito (é isso ou a morte, simples), tenho ao menos a convicção adjacente de andar carregando, como tendência colateral, o impulso de polinizar.

Que seja imortal enquanto eu possa durar.

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