sexta-feira, 16 de julho de 2021

Quem semeia vento

Como era de se esperar – já que os bolsomínions que projetam sobre nós tu-di-nho que eles mesmos fazem são colossalmente previsíveis –, não falta gente nas redes sociais criticando os memes sobre a saúde do coiso e os desejos coletivos de passamento do sujeito. Abstenho-me, pessoalmente, de compartilhar estes ou aqueles, preferindo a isso continuar metendo o pau nas atitudes do "governo", apenas; porém fique claro: o fato de eu não postar conteúdo instando o criaturo a morrer NÃO me inscreve entre os fiscais da manifestação alheia. Sou por acaso alguma vestal da pollyannice, alguma paladina da ética registrada em cartório ou eleita em assembleia para ficar apontando o dedo na cara do que é humano, que nem beata de novela do interior? Não faço, mas definitivamente não julgo, por compreender mais do que gostaria o sentimento envolvido: essa raiva guardada, esse desespero impotente de quem vê o país ser queimado, devastado, desmatado, aviltado, destruído por uma turma vil até a medula, sórdida até a última mitocôndria.

Tenho o mais completo horror a qualquer "olho por olho"; não poderia me denominar cristã se não tivesse. Foge a todos os meus princípios, meios e fins defender vinganças, linchamentos e assemelhados. Seria rematadíssima hipocrisia, entretanto, deixar de reconhecer nisso o efeito da razão, da convicção, da recusa em me pôr no nível dos mesmos seres a quem desprezo; seria falso me declarar imune ao impulso perfeitamente natural de querer revanche, de fantasiar castigos. E é exatamente por não ser androide nem estar imune às homo-sapices que não me cabe, de modo algum, me arvorar em inquisidora-mor: emoções são bichos rebeldes à persuasão, e ademais nem teriam como não estrebuchar contra "só uma gripezinha", "e daí? lamento; quer que eu faça o quê?", "não sou coveiro", "temos de deixar de ser um país de maricas", "todos nós vamos morrer um dia". Independentemente de não concordarmos com posturas revanchistas, convenhamos: o lado de lá poderia de fato esperar, em sã consciência (OK, sã consciência não é especialidade da casa), um grau de empatia e solidariedade superior ao que ele próprio tem demonstrado desde o início? Tem ALGUM cabimento semear ódio, frieza, crueldade, insensibilidade, indiferença, preconceito e acreditar que vai colher em troca uma afabilidade geral, uma preocupação carinhosa ou ao menos uma neutralidade mansinha?...

Pessoas recorrentemente pisoteadas reagem: lei da natureza – natureza esta que reage ela mesma, se lhe vergam os limites. Não se trata de vendetta, não se trata necessariamente de violência (até onde sei, ninguém incitou ou sugeriu nada que não fosse estrita expressão verbal de um wishful thinking, muito diferente, por exemplo, da afirmação de que adversários deveriam ser torturados ou metralhados); trata-se de consequência escandalosamente óbvia de maus-tratos, deboches e todas as mais – e más – características dum relacionamento abusivo. Uma vítima em sua normalidade psiquiátrica, sem andar em surto de Síndrome de Estocolmo, porventura manda cartãozinho de "melhoras" ao carrasco? Envia-lhe flores e bombons em nome do mal que ele fez e fará, não só a um como a diversos, milhares, milhões? Torce de coração para que ele reassuma o quanto antes seu posto de algoz oficial? Somente um Teatrinho Trol nojentamente canastrão, manipulador e cínico, performado pelas hostes bolsonaras, poderia sequer OUSAR pedir compaixão aos espezinhados e parasitar ainda mais sua (nossa!) benevolência. Pois me re-cu-so a unir vozes com o lado escroto da Força: não contem comigo para dirigir nem um aiaiai! ralhado a meus irmãos oprimidos pelo fato de desejarem o sumiço dos opressores. Se eu não posso, por coerência, provocar nem desejar o mal desses últimos infelizes, não lhes devo qualquer lealdade tampouco, e ponho toda ela a serviço da parcela esmagada da História.

O tânatos que habita aquela horda de lunáticos – nosso lado não tem. Mas tem memória.

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