sexta-feira, 9 de julho de 2021

Queria


Eu queria que o mundão inteiro enfim aprendesse a separar o vocativo por vírgula. Queria que a provável máquina de lavar do vizinho parasse de bater idêntica a uma partida de Jumanji. Queria que o Vasco jogasse sem botar em sofrimento os vascaínos; que pizzas e vitaminas gostosinhas não dessem revestrés em gente encrencada com lactose; que pelo menos a comida consumida por fome não somasse caloria engorduchante (não podíamos restringir esse desconcerto às comidas da gula?); que a roupa fosse simplesmente jogável para lavar como nos comerciais, saltitante e displicente, sem nenhum tipo de preparação. Queria aliás que as roupas nos fossem imunes, não registrassem nossos traços, a não ser que o solicitássemos para efeitos de guardar um perfume de gente querida. Queria – previamente, claro – os números da Mega-Sena. Queria férias (permanentes). Queria que a trilha das novelas seis e sete-hóricas não grudasse tão inapelavelmente na cabeça a ponto de esmagar, inaudível, o que sobra de pensamento. Queria que o nariz largasse de andar todo dia gelado.

Queria que a luz hipnótica do computador não pusesse os olhos ressecados e cabeceantes de sono. Queria que os dedos estalassem precisamente quando instados a. Queria que a Kyra ficasse com o Alan e a Luna, com o Alejandro. Queria que NÃO pensassem em nenhuma continuação para o Coringa: deixa assim, gente, deixa em paz o meu palhacinho. Queria que as unhas não formassem quebraditos engancháveis nas roupas; que os transeuntes não andassem na calçada em mão inglesa; que as cidades pululassem de sebos gigantemente exploráveis; que as noites estivessem proibidas de nublar na lua cheia; que todos os estabelecimentos contassem com porquinhos-da-índia cabeludos, para que pudéssemos vê-los mastigando verdurinhas e enfofurando-nos a rotina apropriadamente. Queria que mulheres e crianças se sentissem seguras. Que todos se vissem tão-igualmente criaturas. Que a medicina adiantasse algumas curas.

Queria que houvesse mais olhos cor de mel, que os desodorantes não esbranquimarelassem as blusas (sim, TAMBÉM os chamados invisible, esses farsantes), que o uirapuru cantasse em árvores de qualquer região brasileira, que pudéssemos voltar aos cinemas, que vendessem mais pipoca salgada pré-pronta – e não apenas aquela amofinação de pipoca com coco, caramelo, leite condensado e lambecação –, que o chip do meu cartão parasse de ser ignorado pelo caixa eletrônico, que se reconhecesse a desnecessidade de frio no Rio, que fossem sumariamente transferidos para Netuno os traficantes e milícias do Rio, que fome e morte e peste e guerra jamais fossem cavaleiros que ainda cavalgassem agora.

E ele, tal-qualmente, nunca. Ele – eternamente – fora.

Nenhum comentário: