quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Estranhos ao ninho


Passou por mim um vídeo adorável de construção de ninho dentro duma daquelas casinhas de madeira – espécie de Big Brother passaresco, com flagras do processo desde a análise me-ti-cu-lo-sa feita pelo bichinho, para ver se a localização presta, até o momento em que biquitos famintos já se escancaram para a refeição servida pela mãe. Um amor. Foi, porém, um movimento específico da pequena ave empreiteira que me seduziu the most, na licitação para o assentamento do ninho: ela estranhamente testa o bater de asas DENTRO da casinha antes de bater o martelo sobre o imóvel. Que exótico, pensei a princípio, mas logo se vê que burramente; algo na natureza é lá "exótico" pelo meríssimo gosto do exotismo, sem 1.438 motivações bastantemente sólidas? Com o avançar do Big Brother Bird, percebe-se enfim o motivo da ruflada pássara: é o movimento feito pelo miniconstrutor quando, em meio a todos os galhos e palhas e musgos trazidos para o aconchego do ninho, é preciso abrir espaço para deposição e acolhida dos ovos; são as asas rápidas do papai ou mamãe que afastam a montoeira de material e, no ninho, desenham um nicho, todo prontito para ser o quarto dos bebês. Fiquei só encantamento e fofura.

Além de fãzismo extremo pela sabedoria alada que acabara de testemunhar: crie ninhos unicamente onde há espaço para bater asas.

Não significa que se permanecerá na eterna prontidão da fuga, sempre a um passo (ou um voo) de mergulhar no mundo para nunca mais a cada iminente estreitamento de laços. Tudo que um pássaro montador de lar NÃO representa é descompromisso; ao contrário, o fofo é engajamento puro – e, justamente por saber que só renderá frutos no ambiente mais vizinho do ideal, atrela sua plena frutificação à plena liberdade das braçadas. De ser capaz de voar fora, já está ciente; o essencial é garantir-se capaz de voar dentro, de estender-se, de espraiar-se, de manter a própria envergadura no que quer que se meta, de não ver as capacidades espremidas por situações a que sua adesão foi voluntária, de não se permitir esmagado sob nenhum pretexto de "segurança" que se oferta. Podendo escolher (e pode), não tem cabimento que o pássaro se aceite onde não cabe, que se concorde preso na primeira das opções.

Se o trabalho massacra as asas a ponto de arriscá-las à quebra, e se ao redor há boas promessas de vagas em outros nichos, convém sacudir as penas antes que o futuro se emparede como aqueles heróis de filmes de ação, a quem a contração da sala vai progressivamente achatando. Se o relacionamento é uma sinuosa, insidiosa armadilha de Jogos mortais que tenta convencer de que há proteção e afeto onde moram somente posse e abuso, nem pensar uma vez, quanto mais duas: é esvoaçar-se em retirada rumo a amores espaçosos. Se na casa em que se vive na verdade não se vive, mas sim sufoca-se o eixo de quem se é num purgatório tenso e lento, bola para a frente – desde que na maioridade, claro: ninguém merece engaiolar eternamente sua essência e mendigar um amor pesado de condições, quando se pode garantir mais ar e maior leveza com maior afastamento. Se não há chance de sonho e riso, parta-se; se a individualidade é esganada pelas mãos da alheia, suma-se; se a parceria é violência constante, funde-se nova parceria sob nova lei.

Não se deixe trucidar, skyline pigeon: fly away.

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