segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Meninastê


Neste 11 de outubro, Dia Internacional da Menina, quero abraçar minhas pequenas companheiras de gênero que, na escola, às vezes tinham ou têm de mandar os colegas irem na frente, porque no momento não dava/não dá para levantar da cadeira. Quero abraçar as pequenas que mal têm recursos materiais e morais para lidar com as mudanças em seu corpo, com os seios que passaram a inchar por vários dias, com as dores de cabeça que não raramente causam enjoos, com as cólicas que perturbam o entendimento da matéria; quero enviar minha amorosa solidariedade às tantas, tantas! que nem fazem ideia por que essa dolorosa metamorfose acontece, que tão recorrentemente não contam com quem lhes explique, com quem lhes compre o absorvente antialérgico o bastante para não deixá-las em carne viva, resistente o bastante para não se desfazer em montículos de algodão na primeira hora – ou apenas um absorvente que seja, não uma toalhinha mil vezes dobrada e lavada, não um improviso de papel higiênico, uma miolada de pão. Jovens senhoritas subitamente notificadas de que agora são mocinhas e não entendem, como entender?, o que isso significa e o que há a ser comemorado, já que há muito suas novas curvas atraem atenções nojentas e, parece, é uma tendência que caminha para a piora.

Quero, aliás, acolher com tanto afeto essas jovenzinhas assediadas quanto arrastar com a força do ódio, no asfalto quente, o nariz dos assediadores que violentam a liberdade, a naturalidade, o conforto das sobrinhas e filhas e vizinhas e enteadas – muito cedo "informadas" de que, mesmo na própria residência, não devem usar roupas curtas para não provocar. Quero apoiar as que nem em suas mães encontram crédito e apoio, as que são as meninas mais velhas e se submetem ao horror na esperança de proteger as mais novas, as que precisam tampar todas as fechaduras e planejar o dia de modo a nunca serem achadas sozinhas. Quero enviar minha solidariedade feminista às que crescem limpando casa, fazendo almoço, assumindo maninhos bebês como filhos enquanto irmãos com pernas e braços saudáveis jogam a louça na pia e videogame no sofá.

Quero aninhar em empatia todas as que foram educadas na crença de que namorado puxa mesmo o braço, homem ciumento é homem apaixonado, amiga que dá alerta é futriqueira invejosa. Quero reprogramar para a autoestima a cabecinha das que (como já vi escrito resignadamente em redação) ousam apenas sonhar em ter um companheiro "que não me bata"; das que se sentem lisonjeadas, em sua carência absoluta, com os claríssimos primórdios dum relacionamento abusivo; das que entabulam uma gravidez ainda quase na infância, não somente porque ignorantes dos meios de prevenção como porque seduzidas pela perspectiva de serem alguém – e terem alguém. Quero animar, amparar, desmentir as que atravessaram seus primeiros tempos desprezando os próprios corpos, considerando inadequados os próprios cabelos, crendo-se tristemente feias demais, gordas demais, magras demais, altas demais, baixas demais, sardentas demais, retas ou sinuosas demais, peitudas ou despeitadas demais para merecerem o básico de atenção, validação e amor.

Irmãzinhas minhas, daqui e do mundo: que a História caminhe – ou que seja, na marra, empurrada por nós – até o instante mágico em que terminam todos os assédios, todas as explorações, todos os preconceitos; que ainda dentro de nosso tempo nenhuma de vocês seja mais assediada, julgada, diminuída, inferiorizada pela aparência, pelo estilo, pela orientação; que nenhuma se veja conduzida a anorexias, bulimias, mutilações, adultizações precoces, desperspectivas. Que talentos científicos não se percam por ninguém se ter lembrado de estimulá-los; que a dependência financeira em relação a um homem seja diuturnamente desestimulada; que a maternidade e o casamento nunca sejam apresentados como compulsórios; que a cultura patriarcalmente cultivada de competição com outras gurias seja, em definitivo, trocada pela consciência sororíssima de que somos nós por nós, e de que mexeu com uma – mexeu com todas.

Meninastê: que a menina que em nós habita proteja meninas outras, onde quer que cada uma habite. We can do it.

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