domingo, 24 de outubro de 2021

No controle


Li um tweet fabuloso do perfil Dr. Jessica Taylor – @DrJessTaylor – que dizia em inglês, do qual arrisco uma tradução aproximada (apoiadíssima naquela feita por Lorena LaGattara, compartilhadora do texto no Facebook):

"Homens violentos não 'perdem o controle'. Nunca. Na verdade, eles jamais perderam o controle. Nem uma única vez.

Sabem como eu sei?

Porque eles não 'perderam o controle' com o chefe. Ou com alguém maior do que eles. Eles não 'perdem o controle' em público. Ou na frente da sua família.

Eles estão totalmente no controle."

Análise simples, direta, espetacular. É uma verdade que a coitadização de machos pseudomente arrependidos tem de engolir: a não ser que sofram de doenças psíquicas que levam de fato ao embaralhamento de ideias, como esquizofrenias não medicadas ou afins, homens NÃO perdem o domínio de atos e decisões. Podem perder a vergonha, o pudor, o receio de demonstrarem quem são; podem sentir que a conquista já foi registrada em cartório e perder, nessa crença, o senso de urgência em manter a farsa; mas a capacidade lucidíssima de escolha – ah, essa não se esvai tão facilmente em criaturas que não usam dinheiro para acender fogueirinha (e mesmo assim há queimadores de dinheiro, como o Coringa de Heath Ledger, que não provam com isso ser inaptos para raciocinar a frio, apenas se mostram inclinados a pirotecnias psicopáticas). Perceba-se: fazer coisas ruins, até muito ruins, absurdamente ruins, não tem relação direta com a condição de se estar ou não consciente; se houvesse essa necessária relação não se encontrariam pessoas más – somente drogadas, insanas, psicologicamente dissociadas, hipnotizadas, sonâmbulas, lá o que seja. Seria um mundo lindíssimo este no qual humanos em plena posse de suas faculdades são todos bons. Mas estar no controle não é exclusivamente decidir bem; é tão simplesmente decidir.

"Ah, mas esses caras violentos também atacam mulheres na rua, no trabalho, à luz do dia!" É verdade, atacam; batem, esfaqueiam, fazem o diabo. Perderam o controle? Não. Em primeiro lugar, controle não implica grande inteligência – pode-se resolver chafurdar numa rematada burrice, planejar mal ou não planejar at all, confiar descaradamente na impunidade e f***-se. Em segundo lugar, chegar ao ápice da ação temerária (aquilo a que normalmente não se chega no dia a dia com o chefe, em praça pública, na frente da polícia etc.) é ainda tomar uma decisão, por mais que seja conscientemente a última: se o potencial assassino deliberou consigo que vai acabar com tudo, que vai matar a mulher e quem mais for e matar-se em seguida – ou praticar suicide by cops, como dizem os americanos –, por que se preocuparia com o detalhe de ser visto? Para ele é um ato extremo e de fato autodestrutivo, porém still resultante de uma escolha. Uma escolha alicerçada em séculos de machismo estrutural, de romantização da posse e do ciúme, de demonização da sexualidade feminina, de permissividade e condescendência com as vontades masculinas – o combão do horror; uma escolha provavelmente resultante de péssima educação familiar, de exemplos terríveis, de um entorno doentio; uma ES-CO-LHA mesmo assim. Aqui não falamos de crimes perpetrados por semicrianças, nem por defesa própria, nem sob influência da fome: que o agressor de mulheres seja (se existe essa possibilidade) reeducado e reprogramado psicologicamente, OK, mas coitadizado não. Compreendido como um "ultrarromântico em descontrole", JAMAIS. Bora parar de decantar paixão onde há o mais baixo egoísmo racional.

Um homem violento é apenas banal.

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