domingo, 17 de outubro de 2021

O banco alto


Como disse um tweet certeiríssimo do perfil Diferentona, "A pessoa adulta que pega ônibus e não escolhe o banco alto ela já matou a criança que mora em seu interior". É verdade e dou fé; não há motivo aceitável – a não ser, talvez, com atestado médico desrecomendando instalar-se sobre o movimento mais ativo das rodas – para não acorrer ao banco alto prioritariamente, e de lá ter a melhor das visões da rua e do ônibus mesmo; quanto mais não seja, é diferenciado, e espíritos ainda moços tendem a amar coisas diferenciadas em detrimento das repetices. Espíritos ainda e permanentemente moços são por natureza curiosos, o que os faz abordar a diferença com encanto, receptividade, interesse: é dessa perspectiva de destaque, é dessa plataforma de exceção que pipocam ideias despercebidas aos que preferem atar o olhar à rotina térrea.

Artes nascem do banco alto: porque alguém se evola do rés-do-ônibus, achando que a janela para a vida de sempre não basta, é que as pinturas abrem janelas alternativas, não raro impossíveis; e as esculturas inauguram formas apenas cogitadas; e a música voa muito acima das sonoridades do expediente; e as literaturas escancaram cortinas para novos mundos inteiros, para o interior de pessoas jamais encontradas, jamais encontráveis, habitantes de tudo quanto não se suspeita do banco baixo. E ciências? só há, também, porque mentalidades trepadoras de banco não se conformam à praxe do que se vê; é FUNDAMENTAL que se veja mais amplo, que se considere um tudão para muito além do só espaço onde se pisa, que se flagrem soluções muito fora do lugar batido, dos recursos constantes e encarcerados. Existem robôs, computadores, vacinas, pen drives, transplantes de órgãos, videogames, batedeiras por ter havido – e haver – os corações tomados de eros e de erês que subiram com paixão ao banco alto, posto de espiar o mundo com avidez gulosa.

Vocês lembram Sociedade dos poetas mortos, claro, e sabem perfeitamente que não poderia ser mais bem traduzido o banco alto way of life do que NAQUELA cena ilustradora da altura como metonímia; porém (arte que é) a cena vai mesmo mais longe: às vezes não se captam caminhos bastantes a partir dos bancos que, embora incomuns, já estão ali previamente colocados; às vezes é necessário também INVENTAR plataformas imprevistas, desbravar mais ainda as possibilidades dentro de impossibilidades aparentes. Ver púlpitos ou observatórios subíveis onde a rotina só vê mesas. Enxergar câmeras no que o hábito diz serem caixas, instrumentos no que a lógica acusa de copos d'água ou panelas. Viajar no banco alto é pouco: urge desenhar janelas, meu capitão.

O essencial é visível só sob condições anormais de temperatura e pressão.

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