sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Os tortos


"Nem tudo que é torto/ é errado/ veja as pernas do Garrincha/ e as árvores do Cerrado". É de Nicolas Behr, me lembrando carinhosamente do quanto meu coração bate pelos tortos, a turma adorável dos gauches na vida; para eles me volto em quase todas as histórias, para eles guardo normalmente os nacos de simpatia mais gordos, as compreensões mais ternas. Não falo de bad boys nem nada assim, ao menos não os que o são por convicção, vocação, vaidade; falo dos rejeitados, dos escanteados, inquilinos da sombra – que até podem cair no bad-boysmo devido a um atropelo de circunstâncias, mas que se configuram fundamentalmente como vítimas e jamais perdem seu quê de luminosidade oculta.

Em verdade é isso que adoro nos da sombra, nos da sobra: a marca da vítima, a vulnerabilidade. Ninguém há de me ver morrendo de amores pelos personagens alfa, a não ser que se construam sobre alguma fragilidade bem destacada; quem se esquece de que meu querido Capitão América, por exemplo, era antes do soro o soldado franzino que podia apanhar "o dia todo"? e como negar a certa inocência que perdurou no moço mesmo após a transformação? Ainda assim, o bom Steve Rogers fica para mim no camarote das simpatias, fora daquele que abriga os quase-amores e os amores declaradíssimos: Loki, o monstrinho carente e ambíguo, meu favorito Marvel de todos os tempos; o Fantasma desfigurado da Ópera, tão amargamente solitário que degringolou em homicida; Arthur Fleck, o mais recente Coringa, maltratado socialmente em todos os âmbitos possíveis; Ben Solo/Kylo Ren, vilãozinho dos últimos Star Wars que quase mergulhou na escuridão da Força antes de finalmente ceder ao amor de Rey... anfã, uma galeria respeitável de gente desacertada, desparafusada, fora da caixinha e da casinha, mas nunca totalmente má e sim vulnerável até a medula; sou louca por esses doidos. Não contem comigo para formar entourage dos muito resolvidos e muito amados, com quem o trabalho já está feito.

Desnecessário, entretanto, que meus tortos preferidos tenham qualquer componente vilanesco, e a prova é minha torcida calorosa e apaixonada pelo Nélio da novela das seis – aquele pacotinho de fofura cada vez mais fofo. Se não se trata de alfa male, alfa girl, podiscrê que é com esse ou essa que vou me ligar inoxidável: nerds como o ultragênio Spencer Reid, de Criminal minds; criaturas (aparentemente) fracas, delicadas, suscetíveis, como o Shun dos Cavaleiros do Zodíaco; gurias nada default, nem um pouco exuberantes ou seguras ou populares, a exemplo da tímida Amélie Poulain do filme que não preciso especificar. Posso admirar algumas forças – algumas –, porém só a fraqueza e a gaucherie me enternecem ao ponto do vínculo; ou é um corporativismo d'alma, irmandade de perfil, ou uma natureza esquerdizante e socialista até no psicológico: não há por que desperdiçar aconchego, penso, com quem o recebe em abundância diária.

Amor também precisa de reforma agrária.

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