terça-feira, 5 de outubro de 2021

Pequenas aventuras


Estava lá no bufê, eu nunca sequer tinha visto tão de perto, muito menos comido; olhei por alguns segundos e botei uma no prato. Não descurti nem curti especificamente, só achei gosto de peixe e de mar, nada especial (às vezes, para cultivar preferência, a coisa não bate de primeira – e eu por enquanto estou restrita à primeira, já que não ia forçar o peso do prato com incógnitas). De qualquer forma, eis-me satisfeitíssima de ter provado ostra, de ter dito um rápido sim à microaventura que desceu de rapel no horário do almoço, fresquinha e inesperada; amo que esses acréscimos à vida apenasmente brotem, que de vez em quando estendam a mão como um Aladdin sorrindo um "confia em mim?" que chama para o voo de tapete. Certo, provar ostra infelizmente não tem parentesco com dar rolê de tapete mágico, mas é ao menos possível sem metáfora, mora no mundo palpável e feliz das experiências denotativas.

Sou muito, muito amiga delas – das experiências. Não as temerárias, claro; nunca tive a (para mim, incompreensível) necessidade do doping de adrenalina que acompanha quem despenca de paraquedas ou sobe o Everest; acho pouco razoável arriscar um espatifamento sumário ou uma desoxigenação congelante, quando se pode evitar esse aborrecimento. Mas adoro consideravelmente as empreitadas que achatam ao máximo a curva do risco (arborismo foi minha provável atividade mais perigosa): tendo taaaaaanto a explorar no planeta dentro de protocolos macios, não vou atravessar um cânion na corda bamba, não vou criar cobrinhas peçonhentas de estimação, não vou fazer turismo em Chernobyl. Posso me atrever a sabores mais exóticos – mas para que cargas d'água pedir, por exemplo, um peixe que eu SEI venenoso e só consumível após uma limpeza feita por especialista? Posso me enfiar até o peito numa água barrenta de mangue – sim, já fiz isso –, mas por que eu me meteria entre os vulcões de lama do Arzebaijão, sob pena de ter o crânio amassado pela erupção fria que vai a 300 metros de altura? Nonada, que nada: há bastante suficiência no mundo em termos de novidade sem que se precise ameaçar o bem-estar do pescoço e adjacências.

Ainda que boa parte das aventuras isentas de risco de vida esteja pela hora da morte, sempre existem as microexperiências mais acessíveis com que se tropeça. Mudar o trajeto, pegar as ruas de trás, descobrir nelas uma joiazinha de padaria ou loja; assistir a um filme mudo (assistir mudo a um filme é bom também); ver produções de origens que nos soam inusitadas: tailandesas, guatemaltecas, ucranianas; artesanar pela primeira vez com um vídeo de artesanato; topar ser lar temporário dum bichinho; topar ser lar definitivo dum bichinho; montar piquenique no quintal; ir à seção de poesia novata na Livraria da Travessa e comprar um autor perfeitamente desconhecido; aprender tricô; reaprender uma fórmula matemática; transformar uma camiseta antiga em boneca de pano; fazer um ensaio steampunk; apresentar-se um passo tiktókico, uma cantiga de ninar tradiça, um instrumento, uma receita, um verbete.

Quando a vida passar, estender o tapete.

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