segunda-feira, 15 de junho de 2020

O time dos nublados

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Falei de Fernando e evoquei outro F português, minha querida, muito muito querida Florbela Espanca – aquela que desde o nome até a pontinha dos dedos era a poesia encarnada, intensa, ardente, uma labareda viva com o coração em ferida perpétua. Como eu gostaria de ter apertado esse coração contra o peito!, dizer-lhe que entendo: mesmo o que nunca me ocorreu, mesmo o que nunca vivi ou supus, juro que entendo. Ainda que virtual e distantemente no tempo e no espaço, gosto com toda a ternura dessas almas rasgadas, íntegras em seus quereres mas exiladas por algum motivo; os inteiramente consolados (a não ser que sejam anjos consoladores, o que os torna vulneráveis anyway) me interessam pouco ou nada. Confesso ter um fraco pelos quebradiços, os que sentem mais do que são sentidos e amam mais do que são amados. Simpatizo zero com os moles de preguiça, recalcados e reclamões, porém adoro os que não cabem, os que não são acolhidos, os rejeitados, os tristes; provavelmente em consonância com o fenômeno que a própria Florbela aponta em suas cartas: "A única coisa que consola os tristes é a tristeza – a alegria irrita-os". 

Não sei se "minh'alma é triste" como a de Florbela e a do meu Casimiro, mas melancólica sempre foi; um bichinho do mato que ama abraçar, apertar, acarinhar, que acaricia e se derrama, e no entanto não foge por longos intervalos à sua solidão necessária, à sua natureza esquiva, ao seu silêncio fundamental. Sou prática demais para ser nostálgica (não, não, nada de saudades da "aurora da vida"; estás pensando que esqueci os traumas de Matemática? nem a pau, Juvenal!), não tenho a espécie de introspecção que romantiza o passado; tenho, sim, aquela que gosta de vagar independente por estar constantemente distraída e mergulhar em suas próprias threads de pensamento, que qualquer assédio externo interrompe. Não é de estranhar, pois, que na maior parte do tempo me seja IN-SU-POR-TÁ-VEL tudo quanto é barulhento, estridente, over – tudo quanto vive em neon, brilhante demais, afetado demais, excessivo, saltitante e, em consequência, mais identificado com as convenções da alegria. A alegria estereotipada não deixa ninguém em paz. É ela, é esse estereótipo exasperante aquilo que apenas irrita e em nada consola; ao menos não consola os que perdem a própria meada nessa confusão de estímulos.

Se lhes convém e agrada, então, podem me chamar triste e chata: odeio comédia, com pouquíssimas exceções; detesto atuações histriônicas, inclusive de palhaços (embora ame perdidamente o último Coringa, o que não deve surpreender ninguém que tenha lido o primeiro parágrafo: almas exiladas, desacolhidas, lembra?); não paro para ouvir música; não consigo reunir um mínimo de paciência que seja para assistir a programas felizes de competições em família, homenagens chorosas a parentes e artistas, arquivos confidenciais; aborrece-me a vibração escandalosa dos esportes; ABOMINO as euforias compulsórias do carnaval com todas as vísceras. Sou triste? Talvez para os amadores em gente. Adoro festas de dançar, adoro dançar em festas, gargalho de dez em dez minutos com memes de Facebook, compartilho memes de Facebook de dez em dez minutos, rio de perder o ar com muitas produções, uso roupas de tooooodas as cores, sou assumidamente doida por cores, sou lendariamente maluca por coisas e criaturas fofas, choro com os shows de fogos na Disney (aliás, chego com os parques abrindo e só saio – ou sou saída – com eles fechando). Não é, portanto, que um coração melancólico seja emo, gótico ou azedo só porque não é fluorescente ou tropical. O coraçãozinho em questão pode ser somente mais lento quanto maior for o número de decibéis; pode ser muito primavera e pouco verão; pode curtir visões ensolaradas sem desejar mergulhar nelas; pode se comover até as lágrimas com a notícia de uma declaração de amor, mesmo sem suportar presenciá-la por mais de 30 segundos; pode apenas ter um sistema operacional com autonomia de duas horas em grandes grupos e necessitar da solidão para recarga. Pode simplesmente haver nascido com outro manual de ficar em paz.

Que os alegres convictos perdoem aqui o nosso time de pessoas nubladas mas fofinhas; somos ótimos, prometo. Nossa única reivindicação é que nos garantam o direito de não amanhecer tão de repente nem de viver tão em voz alta.

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