terça-feira, 2 de junho de 2020

The one

Foto profissional gratuita de abraçando, abraço, adulto

Quase rebentei de fofura com um diálogo reproduzido no Facebook pela página Frases de Crianças, estrelando Isabela (cinco aninhos) e sua mamãe:

– Mãe, sabe por que você me adotou?

– Por quê, filhinha?

– Porque você é o amor da minha vida.

Certíssima. Do alto de sua meia década, Isabela sabe ou intui que podemos (devemos) amar um número incalculável de gentes e por isso adotá-las – mas que só por THE amores da nossa vida seremos também adotados. O amor em si é gratuito e doador; em categorias específicas, porém, ou ele é igualmente recebedor, ou simplesmente não se realiza. 

Amor que tenhamos por pais, irmãos, filhos, amigos, pets, alunos, assistidos, pacientes é, sem dúvida, verdadeiro; amor que coloquemos no topo do preenchimento d'alma é verdadeiro AND recíproco. Com relação aos casais, já que se trata de uma party of two, pressupõe-se que os dois estejam juntos porque uma alma encontrou alegria na outra. Pode haver diversão unilateral, desejo ocasional, interdependência, dominação e mais uma lista de combinações variadíssimas dentro de um relacionamento combinado; mas só haverá festa plena – o amor da vida – se necessariamente as partes se adotarem, se a dança for síncrona mesmo que confusa, se existir ao menos a disponibilidade feliz de encaixar os passos, imperfeita e atabalhoadamente que seja, mas com a condição do simultâneo. O amor da vida, ainda que atrapalhado, tem o esforço sincero e comovente de aprender em tempo real. 

Daí ser tão irritante aquela falácia de filme romântico: oh, Fulanílson, apenas me deixe estar com você, tenho amor suficiente para nós dois. Não tem, Beltraneide. Ou pode até ter, se o contrato estabelecido for de companhia meramente satisfatória, se não se quiser daquela união mais do que um entretenimento de sala de espera, se se conseguir conter o coração nos âmbitos sossegados e abnegados da caridade. Mas quantos humanos você conhece que honestamente DESEJAM um relacionamento a dois em que nunca pretenderão ser ouvidos por inteiro, respeitados e sondados em suas ambições mais íntimas, retribuídos em suas doçuras, exaltados nas qualidades, acolhidos nas falhas, abraçados nas vacilações? Somos bichinhos insaciáveis e descontentes; passaremos a existência tendo dúvidas, trocando de emprego, alimentando dilemas, nos sentindo ora um lixo ora um gênio na carreira, enlouquecendo com as próprias manias, sofrendo por sonhos que nunca serão, choramingando que nossos pares não nos respeitam e que nossos pais não nos entendem, ou vice-versa. O MÍNIMO que nossa alma descompensada procura é o saudável refúgio do amor-da-vida: pelo menos UMA trincheira emocional ao abrigo de todas as granadas, UM suporte que nenhum caos psicológico derruba, um lar incondicional em que possamos estar livres mesmo com nossas bagunças – um coração que espontaneamente nos adote. 

Nascemos todos com um camarote VIP no peito, meninada. O ingresso é gratuito sem ser fácil: para entrar, a senha é o brilho nos olhos de permanecer.

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