quarta-feira, 26 de agosto de 2020

É preciso

Água Garrafa Desejo - Foto gratuita no Pixabay

É preciso que o cesto de roupa suja seja esvaziado. É preciso que todos os animaizinhos de rua ou abrigo ganhem urgentes papais e mamães. É preciso que um pano úmido leve embora a alergia dos enfeites e móveis. É preciso que a não passagem de pano devolva a alegria aos injustiçados. É preciso que, em dias de chuva, os habitantes da Terra estejam universalmente em aconchego; que, nos momentos de sol, a roupa seque lá fora ganhando cheiro de verão; que o aspirador asseie os rodapés da sala, que meditação e sono e leitura limpem os cantinhos do pensamento, que o real se revalorize, que a covid se interrompa, que o você-sabe-com-quem-está-falandismo se exploda, que a cultura do estupro se dissolva. É preciso que os ácaros, os áscaris, os fanáticos, os lunáticos, os parasitas de gente, os assassinos do ambiente, os que apertam a corrente se retirem como é devido e vivam em outra galáxia por todos os séculos, amém.

É preciso que os filmes do NOW sejam gratuitos, uma vez que a NET já é paga; é preciso que todas as cidades se cubram de ciclovias; é preciso que todas as máscaras cubram o nariz; é preciso que o império do ferro de passar acabe aqui e agora; que os cinemas (quando voltarem, num mundo descoronado e seguro) percam a mania dos dublados; que as mensagens faiscantes de bom dia saiam de qualquer mídia com as mãos para o alto, em nome da lei; que as tirinhas da Mafalda e do Armandinho virem patrimônio da humanidade; que os povos indígenas recebam o amor e os cuidados zelosos, atentos, quentinhos contra todos os horrores que os ameaçam; que as famílias dos profissionais de saúde se vejam plenamente amparadas, à altura dos riscos corridos por seus amados em tempo integral; que os preconceitos sejam amplamente caracterizados como as CAFONICES que de fato são; que os livros permaneçam não só intaxados como barateados de acesso. É preciso que Trump desabe, que toda a extrema-direita o acompanhe, que as penas de morte e as pulsões de destruição se revoguem. Todas. Forever.

É preciso lavar as mãos como se houvesse um infinito de amanhãs; é preciso distribuir renda, assumir a relação, mimar o parceiro, educar o filho, consumir legumes, adotar árvores, folgar sem culpa, passear sem mapa, escutar piano, beber água, beber água, beber água, almoçar na varanda (ou na laje, ou no terraço, ou no quintal, ou à beirinha da janela); é preciso impulsionar talentos, entusiasmar vocações, vocacionar entusiasmos, apoiar livrarias, divulgar microempreendedores, valorizar mulheres, promover e encorajar mulheres. É preciso ouvir crianças, proteger crianças, velar pelos que se desvelam por crianças, ler poemas, circular em museus, dar chance a novos sabores, dar chance a novos cantores, conhecer temperos, fazer mais sábados, fazer menos selfies, combater ardente e furiosa e aguerridamente a homofobia, o machismo, o racismo. É preciso rir sem ser de tudo, tonificar o coração mais que os outros músculos, estourar qualquer bola que role no campo do absurdo. É preciso teimar, militar, intransigir, embirrar, pelejar, matraquear pelo bem, como se houvesse um infinito de amanhãs.

É preciso fazer com que haja.

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