sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Saneamento básico

 Nuvem ou fumaça close-up | Foto De Stock Grátis | LibreShot

Eu também não sabia, mas fiquei sabendo que o 14 de agosto é o Dia do Combate à Poluição. Redundante eu falar aqui sobre escapamento de carros, chaminés de fábricas, derramamento de nojeiras tóxicas em mares e outras águas, barulheira de buzinas no caos do rush, excesso de anúncios luminosos – ou nem luminosos – no já confuso visual das cidades, lixo e mais lixo (e mais lixo) no chão e nos bueiros, aquilo tudo que todo mundo sabe, e a respeito do que todo mundo fez cartaz e seminário na escola. Mudam-se os tempos, não mudam tanto as vontades dos grandes poluidores, que certamente não somos nós, pessoinhas físicas. Claro que não podemos posar de inocentes na história, mas nossa principal função hoje (e nos outros dias) é encher profundamente o saco das imensas pessoas jurídicas e das instituições governamentais, para interromperem/fiscalizarem/punirem o que somente os pequeninos não conseguimos conter. Isso é ponto pacífico – espero. A gente é legal e não joga nem papel de bala na calçada (né? tô de olho!), porém não é desse miniesforço individual que vem a limpeza mais significativa do mundo, e sim do macroesforço coletivo de denunciar descartes irregulares, apertar parlamentares para a criação de leis, filmar sujeiradas de indústrias, botar a boca no trombone, na tuba e em todos os instrumentos de sopro disponíveis. Só MUITA e mui constante gritaria, daquela que enlameia e boicota uma empresa, ajuda de pouquinho em pouquinho a acabar com a palhaçada. É um dos únicos exageros saudáveis de decibéis, por sinal. 

Isso é a luta contra a poluição de fora. Contra a de dentro, é preciso apelar para instituições outras, que sejam capazes de nos auxiliar a dar cabo de nossos lixões. Como nos purificar dos litros e litros de adrenalina, de cortisol, que derramamos em nossas veias feito graxa de navio naufragado? Como nos desfazer de nossos velhos acúmulos, de birras que entopem qualquer nascentezinha de perdão, de berros de liberdade profissional entalados na garganta, de rejeitos da rejeição longamente chorada, de traumas de décadas que contaminam todo o terreno de convívio, de raivas que se metamorfoseiam em autovenenos, de mágoas em putrefação que assassinam em nós as mais diversas formas de vida? Como nos livrar em segurança das relações que respiramos tóxicas, e que over and over nos poluem sonoramente de "você não pode", "você não vai", "você não faz", "você não é"? Como descartar sustentavelmente o apego asfixiante às redes, aos likes, aos filtros, aos fones, às fotos, aos áudios? Como nos higienizar da mancha gordurenta de ódios, delírios, preconceitos que se tem grudado na gente feito um Venom simbionte, parasitando e exaurindo as forças que deveríamos aplicar em construções?

É necessário o mais gigante combo de instrumentos, todos os registrados e comprovados e mais alguns individuais. Em casos de degradação muito avançada de nossos sistemas, não vejo processos de limpeza que não passem pelos profissionais mais gabaritados para lidar com essas químicas do nojo: psicólogos, psiquiatras, analistas, terapeutas que possam destrinchar-nos, fazer-nos ver pontos de luz que nos orientem nas áreas mais turvas, habilitar-nos para primeiro navegar com mais firmeza nesses breus, depois dissipá-los com as estratégias devidas. São os mais experientes Ghostbusters das fumaças mentais que nos neblinam. Além deles, há uma série de desinfetantes das mais variadas potências, para os mais variados fregueses: a arte, que nos desautomatiza de nossos ares e pensares viciados; a religião, que, se saudavelmente vivida e compreendida, é a lavadora de corações encardidos por excelência; a atividade física, que promove o asseio de células em geral e por isso enxágua os neurônios; as bem-querenças, que em tese devem acordar em nós o que há de translúcido e não vazar nunca nada de daninho em nossas (en)costas. Recursos de despoluição não faltam, mas informação e incentivo faltam muitas vezes – e nisso seguimos desatentos, insistindo em chafurdar em nossas vibes quando ainda estamos impróprios para banho e consumo. 

Por felicidade, outro dos melhores recursos de despoluição é nem focar em nos despoluir, e sim em criar a atmosfera mais fresca e respirável para quem nos acompanha. Altíssimas chances de sucesso. Um dos efeitos colaterais mais lindões do amor, em todas as suas formas, é que não é possível cristalinarmos o ar em torno do próximo sem também respirarmos dele e sem também sermos obrigados a emiti-lo purinho. De todos os filtros existentes, o amor continua sendo o que deixa nossa imagem mais nítida – o que conduz a remoção de manchas da maneira mais sustentável. O que mais eficientemente nos recicla.

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