terça-feira, 25 de agosto de 2020

O que não quer calar

Mic, Microfone, Passagem De Som, Cantar, Executar

Nossa boca está cheia sim – de gritos ainda insuficientemente gritados, de revoltas estocadas –, e na porrada ninguém vai enchê-la não, Vossa Truculência. É verdade que nossa impotência de agora parece imensa e às vezes engana, às vezes arriamos em desânimo, falamos em desistir, mas é da boca para fora: da boca para dentro nos sabemos repletos de combustível, ou assim nos descobrimos quando uma fagulha nos incita à combustão. Como assim "impotentes", se somos bocas e mais bocas e mais bocas repetindo aos milhardares a pergunta que NÃO VAI calar? se somos a defesa do formigueiro justamente aos milhões, aos ferrões; se ante ameaças imprevisivelmente raivosas temos a prerrogativa de um cair de boca coletivo; se qualquer fim da picada pode bem ser o início das nossas – teimosas, múltiplas, doloridas? se (querendo) somos um enxame, uma matilha, um estouro de manada, um gigante disseminado em peças de gigante pela própria natureza?

Não, Vossa Indecência, sua boca é suja mas é uma – a nossa pode ser una, se devidamente atiçada por quem não pode contê-la. Mesmo a corrente que se alastra à boca pequena nos WhatsApps não pode deter a torrente que facilmente a engole, quando tsunamizada de fúria humana verdadeira, não mecanizada, não robótica. Androides repetem com obediência programada, são bonequinhos ventriloquados pela mão que balança o dinheiro, porém não votam, não se inflamam contra quem sugeriu que seus parentes mortos por covid são bundões, não quebram tudo nas ruas em protestos que a pandemia tem contido, mas que a raiva engasgada está a um isto-aqui de liberar. Androides não enchem as ruas de bocas; colocam-nas na rede enquanto as botamos no trombone. Fake news se espraiam num rastilho de pólvora? verdades também; estas, no entanto, resistem ao tempo, ao clima, à checagem, e se fazem usualmente menos estrondo têm muito mais público em compensação: 70%, ao menos. Tudo bem que o ponto de ebulição nestas plagas demora, demora; a explosão custa; mas depois de excessivos acúmulos acontece em sua glória, e há de ocorrer – senão num barulhão uníssono, certamente num pipocar contínuo de vozes que perguntam perguntam perguntam perguntam até o atordoamento. Se algumas se calarem ou forem caladas, é bíblico: as pedras gritarão.

Seu rebanho mecânico só muge autorizado, Vossa Violência, porém no boca a boca vencemos, na razão nos impomos; os fatos não cedem a punhos cerrados, não se desfazem com berros, não se transfiguram com ameaças. Não há peneira que chegue no universo para tapar todo o sol que anda vazando em extratos, vídeos, áudios. Não há seita nacional que baste para consertar a imagem do Brasil num mundo que já não o aceita, que o respeitou há poucos anos, mas que agora recua horrorizado diante da burrice, do preconceito, da destruição, da insanidade, e que (mais rápido que nós) responderá em forma de abandono político e prejuízo econômico. Não há mais espaço neste planeta para cala-boquismo, anticientificismo, absolutismo, censura, tortura, espírito de chibata; se não estão erradicados de fato, já o estão moralmente, e é de se esperar que as urnas americanas protestem loud and clear contra essa mentalidade idiota demais até para os padrões dos EUA. Cala a Boca já morreu, Vossa Decadência; quem manda aqui somos nós. 

Falando nisso: por que sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?

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