quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Entredata

Ponte Madeira Transição - Foto gratuita no Pixabay

Não é verdade que o corpo fica, às vezes, basicamente sonolento, ainda que haja um número decente de horas dormidas e uma estimulação razoável de cafeína tentando arrebitar as veias? Pois então; hoje é dia de o corpo quedar basicamente sonolento, cabeça um tanto apavorada (não muito, que apavoramento demanda energia) de qualquer esforço maior. As sinapses andam piscando com luzinha baça, neurônios estão de pijama e pálpebras dormitando, pedindo tema que não exija Duracell em ponto de bala. Não adianta. Emperramento no sistema, músculos exaustos, olhos plumbados, simplesmente porque sim: é preciso, hoje, não haver excessivo desgaste ou excessiva entrega. Nada de indignação vazando cortisol; nada de comoções arrebentantes; nada mesmo de alegrias hiperativas. É hora de uma semigripe lassear as expectativas como lasseia os membros – hora de vitamina C (d)e calma, de percepções suaves, de contextos observáveis sem que seja essencial vir à tona dos lençóis.

Hoje é tempo de observar coisas macias, feito o ventinho finalmente bem dosado – nem gelado, nem furioso, nem espalhão – que vem da janela um pouco mais aberta do que permite o costume. O inverno acabou na prática, e o Rio, também um tanto espreguiçante, não parece estar para verão ainda; esquentou de maneira apenas protocolar e sopra um vento que não passa de sopro. A luz da tarde acompanha a proposta: é toda moderada, branca, ensolarada mas sem a vida amarela do sol, temperada de nuvens algodãs; nem o céu deu para azul. Está de um cinza-anil cansado, cansado. Não lhe peçam no momento para ser carioca ou já ser primavera, não é hora de aventura, só há combustível bastante para ser. Falta ânimo para chegar ao predicativo.

Hoje é caso de palavras cruzadas amenas, não de Nietzsche (aqui adentrado como exemplo; não tenho nada de Nietzsche, que eu saiba); é caso de seguidos programas de true crime no ID, ou de transformação decorativa no Home & Health. Não é questão de alienação, mas de período hábil para que corpo, alma, coração, olhos, paciência, celulinhas cinzentas se wolverinem, cicatrizem, recarreguem, se refaçam. Os estímulos precisam estar mansos para a estrutura mental que vem rodando atualizações lentas: chá de hortelã ou morango, almoço prazeroso sem ser o preferido, pouco contraste do computador com a sala, blusa fresca mas não sem o abraço da manga, cabelos não tensionados pelo grampo, perspectivas que se atêm à entrega dos congelados, vizinhos mais recolhidos, pets dos vizinhos mais recolhidos, crianças dos vizinhos mais recolhidas; o piso limpo que chegue, o cesto de roupas sem ar de quem tem pressa, as urgências domadas, focinheiradas, contidas. Hoje é dia de básicos, não é dia de cúmulos. De cumulus, no máximo. 

Hoje vai tão devagar que é entredia, entredata, entretendo o tempo de um até outro carregamento de bateria. Se algo acontecer, peço gentilmente que saia de fininho e desaconteça, a fim de que setembro se vá achegando sem traumas. (A não ser que seja impeachment. Para esse ápice de felicidade na terra, a gente mete Red Bull pra dentro do sono e sai acontecendo na rua, vestido de exceção.)

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