segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Ô de casa

Foi ontem o dia de espalhar doçurices, porém deixo ainda aqui meu saquinho virtual de Cosme e Damião, recomendando vivissimamente que assistam a Um lindo dia na vizinhança – produção do ano passado, dirigida por Marielle Heller e estrelada por Tom Hanks e Matthew Rhys, que acaba de entrar na grade da HBO. Confesso que não pretendia sentar na noite de sábado para conferir a estreia, nem esperava grande coisa da 1 hora e 49 minutos adiante; mas que dizer? às vezes é maravilhoso estar redondamente enganada. O filme, curto e mesmo assim sem pressa al-gu-ma de fazer andar diálogos e sentimentos, é nada menos que um edredom emocional, acolchoado, quentinho, que para desenrolar-se (e enrolar-nos) em seu ritmo suave atém-se a um plot simplíssimo: o jornalista Lloyd Vogel – esquentado, pessimista, acostumado a reportagens hardcore e nada simpático aos olhos de seus entrevistados, ao menos após publicar as matérias – recebe a missão de escrever sobre Fred Rogers para uma edição especial (sobre heróis) da revista na qual trabalha. Quem é Fred Rogers? O apresentador de um dos mais populares programas infantis americanos, Mister Rogers' neighborhood, e provavelmente uma das pessoas mais adoráveis e compassivas que já pisaram no planeta. Ah, sim: também a única celebridade da lista de entrevistáveis que topa conversar com o mal-afamado Vogel – a quem trata como amigo desde logo e, obviamente, acaba conquistando por inteiro. 

O resumo promete cafonice, mas empenho minha palavra que não: assim como o desacreditante Lloyd se aproxima de Mr. Rogers sem nenhuma expectativa e se vê mansa e perplexamente seduzido por seu universo de ternura, vamos nós direitinhamente caindo nos braços do filme, baixando qualquer possível guarda e lhe tombando lentamente a cabeça no peito. Um lindo dia na vizinhança é a exatíssima sensação de um abraço em que a gente dói por dentro de amor. Pelo menos no meu caso, não só pela figura inacreditavelmente generosa (e real!) de Fred Rogers – vivido por Tom Hanks com bondade e minúcia encantadoras –, mas com igual intensidade pela figura (fictícia) psicologicamente quebrada de Vogel, a cuja dificuldade de comunicação interpessoal (irônica para um jornalista) e a cuja raiva latente os olhos tristes, perdidos e intensos de Matthew Rhys emprestam uma veracidade incrível. Sim, eu adoro Matthew Rhys, de quem já gostava um monte mas que aprendi a amar em definitivo na série Perry Mason: guilty. De Tom Hanks é desnecessário falar. Resulta que a dobradinha Rhys-Hanks deixa a gente internamente de joelhos, querendo ora amassar o mais velho de fofura, ora apertar o mais novo dizendo-lhe que fale, que chore, que vai ficar tudo bem. Enfim, uma tortura deliciosa para quem tem ao menos 10% ativos de coração. 

Todas as condições estavam postas para que o relacionamento dos dois amigos improváveis se (en)tornasse pieeeegas, e ainda assim não resvala na diabete nem de longe, tal a delicadeza do roteiro, da diretora e da dupla principal. Em menos de duas horas, fala-se precisa e nada derramadamente de dilemas de pai, dilemas de filho, morte, perdão, casamento, gentileza, formas de lidar com a raiva que todos sentem, aceitação integral do outro, atenção genuína ao interlocutor, verbalização das emoções, valorização dos novos e velhos contatos, gratidão aos que nos amaram para que nos tornássemos quem somos, aprimoramento pessoal como um exercício constante e palpável e não como bibbidi-bobbidi-boo. Posso seguir com a descrição motivacional sinceríssima, mas de meia-tigela, ou apenas sintetizar com um reiterado: ASSISTAM. Com mamãe, papai, filho, catioro, crush e lencinho, só para garantir. Todo dia é um lindo dia para ser tornado especial por aquilo que dá batidinhas triviais e familiares à nossa porta.

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