sábado, 5 de setembro de 2020

Eu vi o que você fez no post passado

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Até compreendo que os algoritmos do Face e assemelhados comecem a me jogar na cara anúncios de coisas que procurei no Google ou adquiri em lojas online (embora não seja razoável esperar que, se já as adquiri, eu logo em seguida venha a adquiri-las outra vez. Os algoritmos conhecem assim tantos consumidores agulha-empenados que compram a mesma blusa, o mesmo livro, a mesma frigideira over and over?). É um tanto desagradável saber espionados nossos passos virtuais, mas que seja, deu tempo já de pegar costume – e dá mais ou menos para entender que os vendedores queiram direcionar seus produtos para gente que ativamente mostrou interesse, varrendo a internet na busca, entrando em vários sites, comparando preços. Estratégia passável. Só que o negócio vem desandando de maneira bem creepyzinha; não é um nem são dois amigos que andam relatando casos de stalkeamento sonoro, como se cada um tivesse na escrivaninha ou no bolso um hipermercado conveniado com a CIA.

Há alguns meses mesmo, pouco antes do advento covídico, estava eu fagueiríssima com o Fábio dentro de um ônibus (urbano, não de viagem) quando fiz um comentário aleatório a respeito de hotéis fazenda. Não estávamos procurando nenhum, nem em momento algum eu googlara o termo; apenas comentei rapidamente e em voz alta sobre como são repousantes, sobre como eu havia gostado de um deles ou algo parecido. Quem me conhece sabe: não tenho internet no celular, que está sempre desligado e metido na bolsa, nem navego jamais pelo do Fábio (que mantinha o aparelho ligado – logado no Face dele –, mas também guardado na ocasião). Pois eis minha gloriosa surpresa quando, em casa, acesso o Face pelo computador e vejo o quê, o quê, o quê? Anúncio de hotel fazenda, naturalmente. Pelo MEU login. Aquele que NÃO estava ativo no único celular próximo com capacidade de "ouvir" conversas fortuitas. Não bastasse ser bisbilhoteiro no atacado, o algoritmo treinado em Quantico aparentemente faz o serviço no varejo, reconhecendo vozes e relacionando-as corretinhamente ao perfil de seu dono. Que fofo esse 1984trinho de uma figa, eu ri, aterrorizada.

Só sei que não estou ficando docemente maluca porque muitos, como falei, contam dessas participações involuntárias no Show de Truman, estarrecidos com propagandas que pipocam sem outra motivação que um diálogo doméstico, uma lembrança expressa entre amigos, um dito qualquer de esfera íntima. Às vezes é também um programa a que se assiste na TV e ao qual, não mais que de repente, o feed de notícias começa a fazer referências, metendo o louco. A gente engole em seco, finge que não toma conhecimento das teorias de conspiração e compõe uma serenidade de quem não se espanta com mais nada. Mas piora, sempre piora, e agora a impressão que dá é a de que os algoraptors não deixam escapar nem pensamento: recorrentemente me vejo perplexa com a "materialização", na timeline, de ideias sequer digitadas ou oralizadas, além de não relacionadas a assuntos du jour. Seja porque o movimento de nossos olhos na tela é acompanhado e escaneado por esses demoninhos tecnológicos (apesar de eu manter a câmera do computador coberta por adesivo desde que vi Snowden no cinema); seja porque emitimos ondas e informações das quais nem suspeitamos; seja porque na realidade damos pistas desses pensamentos em e-mails, blogs, comentários, mensagens privadas; seja porque somos menos específicos e mais coletivos e previsíveis do que poderíamos supor – o fato é que a vibe de Black mirror anda se mostrando frenética, e vários percebem, e vários comentam, e a gente gargalha apavorado e segue o jogo fazendo a pêssega, com a carinha desconstruída de yo no creo en los ojos del sistema

(Pero que nos miran, nos miran.)

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