terça-feira, 15 de setembro de 2020

Estranhos no ninho


A atriz Monique Curi, que relacionarei por todos os séculos à novela Felicidade, chegou a ficar de 2000 a 2012 afastada da telinha; deu uma parada após Laços de família, tornou-se mãe, só retornou em Salve Jorge. No entanto, já na festa de lançamento da trama percebeu que a volta ia ser pedreira: tinha perdido o costume do meio glamourosão e se sentiu altamente deslocada ao ver "aquelas estrelas, com as suas bolsas caríssimas, posando para os fotógrafos" (palavras ditas à coluna de Patricia Kogut) – deslocada e desaconchegada a ponto de explodir em choro depois do evento, no recesso do lar. Monique ainda encarou alguns poucos trabalhos de atuação, mas claramente a famigerada festa marcou sua despedida emocional e moral das projaquices; a atriz, hoje, se dedica a seu canal no YouTube (Jeito de Ser). Felizona da vida.

Obviamente, a questão das bolsas é simples metonímia para condensar o que outras palavras da artista englobam melhor: "esse é um meio com muito ego e muita aparência". Ater-nos às bolsas poderia fazer parecer que ela ou nós estamos atribuindo ostentação e futilidade somente às mulheres, o que não procede de modo algum; apenas é natural que ela tenha se espelhado nas indumentárias, cobranças, peças de figurino tipicamente ligadas a seu gênero. Em verdade, porém, o desconforto se aplica ao pacote inteirinho: não à parte artística, já que o ofício dos atores em si é de uma beleza sagrada, mas às circunstâncias exteriores à obra – exibição quase compulsória para fofoqueiros de plantão, detalhamento de grifes praticamente obrigatório em jornais e revistas, mil crises de autoimportância protagonizadas por autores, diretores e demais senhores com dificuldade para receber críticas a seus clichês e absurdos, mil caudas psicológicas de pavão abertas e esbarrantes. Te entendo, Monique; eu duraria um total de dezoito minutos nessa seara. Com sorte. Num dia bom.

Nem posso conceber como deve ser pertencer-se muito pouco, eu que não me imagino lidando sequer com as demandas de uma criaturinha que eu parisse – QUANTO MAIS com as de poderosões surtando em ataques de pelanca, com as de celebs trocando farpas no Twitter, com as de fãs e haters se sentindo no incompreensível direito de meter o nariz bedelhudo, com as de repórteres perguntando qual é o estilista. Infelizmente não sei qual é o estilista, amado, o vestido é de lojinha da rua da Alfândega, a bolsa é da feirinha da praça Saens Peña, lugares com preço feito para quem mora no mesmo Brasil que eu. Gosto de ver rapidamente as fotos das lindas nas estreias? Gosto, porque a beleza sempre me atrai. Ligo para a etiqueta do que vestem? Tanto quanto para a escalação da seleção tailandesa de 1972. Faria parte desse universo? Nem em um milhão de anos ou por um milhão de camelos (à moda dO clone). Sou preguiçosa e arredia nata para tudo que tenha alta manutenção em termos de look, vida social, administração de egos, distribuição de sorrisos. Sorrio com extrema constância, mas cada vez com menos condescendência. Além de achar invasivas até as câmeras das videochamadas e das férias em família: vejam QUANTA chance de uma carreira televisiva dar megacerto. 

Não quero me pintar desapegada, evoluída, dançando riponga em Visconde de Mauá; tenho inúmeras vaidades, todos temos, só não estão empregadas onde tenderiam a estar, caso eu pleiteasse esse emprego específico numa vida hipotética. Basicamente é isto que precisamos sacar o mais cedo possível no curso profissional: quais perrengues seriam i-na-cei-tá-veis no horizonte e com quais lidaríamos mais de boa – não que problemas devam ser aceitos, porém sempre há os que têm menos capacidade de nos destruir até serem destruídos. Quanto mais aptos e equilibrados para os no-entantos, mais cotados estamos também na escala dos encantos; não muito diferentemente, aliás, da lógica sentimental ou da turística. Cada qual tem destinos possíveis, destinos ideais e destinos em que a probabilidade de despencar de um barranco fica assustadoramente acima de zero. 

Que a empreitada youtúbica iniciada há dois anos por Monique Curi continue a se mostrar uma escolha feliz em todos os sentidos; precisamos urgente e avassaladoramente de um mundo povoado por gente feliz em suas escolhas. Gente feliz mesmo, não apenas sorridente para fotógrafos e celulares. Gente cuja maior realização seja viver o que se vive – e não mostrar o que se está vivendo.

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