domingo, 13 de setembro de 2020

Que nem maré

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Achei incrível descobrir que, de acordo com uma pesquisa divulgada há seis anos, a lua cheia interfere em nosso sono mesmo quando não é vista por nós ou não a sabemos cheia. Os participantes do estudo em questão, realizado por uma universidade suíça, foram acompanhados durante as várias fases lunares; em média, levaram cinco minutos a mais para começar a dormir – e dormiram vinte minutos a menos – em época de lua balofa. O porquê dessa atração fatal e quase mística, não sei; nem faço ideia se os cientistas fazem ideia do motivo; só sei que, pelo jeito, existe maré alta de gente, maré alta de consciência, de pálpebra, de olho: somos tão suscetíveis e ficamos tão desassossegados quanto as ondas com o chamado da Dama Branca, que aparentemente não se conforma em não receber todas as atenções.

Sou do grupo facilmente enfeitiçável. Se não disponho da explicação científica para a insônia que acomete os terráqueos quando o nosso satélite favorito está pleníssimo, não posso, entretanto, dizer que não a entendo. Eis que a grande princesa dos céus visíveis se veste de noiva, se veste de festa e vem se postar toda amostrada no caminho, feito uma rainha Ester em seus trajes de dar agrado: olhe-me que-linda, ouça o que peço. É um amor hipnótico o que ela pede; resistir como? se aquele luzão braaaanco, braaaaaanco se espalha – talvez nem tanto nas cidades onde ainda é horário ativo e ofuscado de postes e faróis, mas – pelas partes da casa já desligadas do expediente, já cheias de gente enfim recolhida ao susto de anoitecer? Assim que nos flagra mais aliviados de afazeres, indo de pijama ou camisola buscar água na cozinha, a Dama Branca sorri possessiva, embora com doce paciência: agora sim você é minha, você é meu, e não vai voltar para a cama ao pressentir meu auge de claridade. Vai espiar pela janela. Vai espiar longa, aturdida, apaixonadamente pela janela.

Nós espiamos pela janela, apaixonados e aturdidos, maré-altos, chocados que aquela grande noiva noturna não brilhe por conta própria, ou que consiga transformar num apelo tão indiscutivelmente feminino o que a luz do sol (I mean, do Sol) tem de feroz e agressiva. O Sol é uma pua; a Lua é um lençol. Não existe inluação que nos confunda, nauseie, queime, desidrate: a satélita gentil suaviza tudo, reescreve o clarão do raio recebido, reinterpreta-o em forma de maciez e transe, faz sua mágica singular de virar sabre em seda. O Sol não nos deixa dormir porque escandaloso, a Lua não nos deixa dormir porque sedutora; ao contrário dele, permite-se olhar e se quer olhada, persuade-nos a olhantes apenas sorrindo, sendo, vindo. A Lua é um ciclo, um vício, um enredo, um enrosco.

O Sol nos acorda com ou sem nosso arbítrio, sacudindo-nos despertadores e hormônios na cara. A Lua nos desperta as verdades que dormem, espelhando o espanto que temos conosco.

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