quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Ideias de caixinha


Tooooodo mundo já está carequérrimo de saber, mas não custa reiterar cientificamente, pra ver se estimula sinapses novinhas num povo aí. Cientistas da Universidade de Queensland, na Austrália, analisaram os dados de 11.564 cidadãos do país, comparando duas enquetes: uma para testar habilidades cognitivas e a outra para checar posicionamentos quanto à igualdade de direitos. Neste segundo caso, os entrevistados reagiam com números entre 1 (discordo fortemente) e 7 (concordo fortemente) à afirmação: "Casais homossexuais deveriam ter os mesmos direitos de casais heterossexuais". Pois adivinhem: as criaturas que pontuaram menos em inteligência (especialmente na parte verbal) pontuaram mais no quesito preconceito – surpresa chocante para absolutamente ninguém.

Sei que parece fácil falar do ponto de vista de quem teve educação formal, social, familiar, religiosa que nunca estimulou e sim coibiu intolerâncias; sei que muitos, devido às circunstâncias de nascimento e criação, à aridez de oportunidades, à ausência de estímulos do ambiente, ao parco acesso à escola, leitura e artes em geral, à rigidez dos costumes de origem, até à alimentação deficiente, acabam resvalando para a rejeição pura e simples de tudo que foge a seu vaso espremedor de raízes, à sua cerquinha de arame farpado. Não melhora o efeito, mas a causa é tristemente compreensível. Há situações em que uma inteligência mais aguçada, mais sedenta e de maior sensibilidade consegue peitar o cativeiro intelectual em que a abandonaram, porém está longe de ser regra – e parece injustíssimo exigir do grosso o mesmo desempenho das exceções. A tendência é que inteligências normais, medianas, se sufocadas pelo regime desértico da ignorância, terminem se curvando para a terra, longamente convencidas da inexistência de outra luz. 

Esses casos, os da ignorância mais básica (aquela que vem do vácuo, da ausência, da falta de chance e/ou de zelo), são inteligíveis no que diz respeito à intolerância, que nasce sobretudo da carência de conhecimento. Mas e quando EXISTE conhecimento – quando houve boas escolas, curso de inglês, judô, clube, cinema, comidinha balanceada, circulação em vários ambientes, visita a outros países, fartura de encorajamentos – e MESMO ASSIM o indivíduo me sai um preconceituoso incapaz de evoluir? Aí, me desculpe: é burrice legítima, e a ciência assina o laudo. Trata-se de ter neurônios continuamente expostos a estudos, amigos, meios de comunicação, redes sociais, and still empedernidos, impermeáveis. Infelizmente não há outro nome. Burrice.

Chama a atenção, na pesquisa de Queensland, que o déficit na expressão verbal seja o mais diretamente relacionado à manifestação de intolerância. Faz todo o sentido. Respeitar, acolher, compreender não têm um parentesco óbvio com habilidades matemáticas, por exemplo (o que não quer dizer, é evidente, que pessoas boas com números não possam ser altamente empáticas; estou apenas observando que esses talentos não dependem tanto um do outro). Por outro lado, respeitar, acolher e compreender têm TUDO a ver com o discurso, com a proficiência em acompanhar uma linha de pensamento e identificar uma falácia, uma incoerência, uma conclusão absurda; e acredito tenham a ver, tão fortemente quanto, com a capacidade de SE verbalizar. Inúmeros preconceituosos (talvez todos) começam a confusão e a rejeição por si mesmos: não se entendem, não se aceitam, não conseguem transformar em palavras analisáveis os seus recalques, os seus medos, as suas invejas, os seus impulsos, os seus incômodos, as suas solidões, as suas próprias discordâncias das pressões de família, dos estereótipos de turma. Não estando aptos para desenvolver um discurso individual, compram o que fica mais à altura dos olhos na prateleira; simplesmente estendem a mão e metem na cesta o clichê mais superficial, o bordão mais estridente, o texto mais transgênico e menos nutritivo que vem na embalagem mais berrante. Junk shoppers de mercado e de vida: pensar não é prático, me deixe apenas repetir.

Como o próprio termo sugere, preconceituosos apontam o dedo e pedem combos de conceito previamente organizados e embalados – e, se bobear, pedem pelo número da promoção, sem saber sequer o nome da porcaria engolida. Saber para quê? Basta seguir direitinho as ordens do palhaço.

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