terça-feira, 29 de setembro de 2020

Turbinas de brisa


Ciência fofíssima: pesquisadores chineses criaram um minigerador eólico que não dispõe de hélices, e sim de uma turbinazinha onde duas fitas plásticas, acionáveis até a partir de um sopro, batem uma na outra e produzem eletricidade. Uma brisa basta, o balançar de um braço movendo o ar é suficiente – olhem que primor. Os cientistas, naturalmente animadíssimos, creem que a descoberta pode tanto ser empregada em seu tamanho micro, substituindo a bateria de pequenos aparelhos, quanto nas dimensões "normais", em locais onde as turbinas de praxe não funcionam. Mais uma lindeza de avanço rumo à energia plenamente sustentável. 

Aproveito o ensejo, aliás, para chatear os cientistas num apelo: que sigam o embalo do dispositivo recém-desenvolvido e vejam se conseguem, por gentilezinha, tornar os mecanismos humanos sustentáveis na mesma proporção. Se conseguem (estamos TÃO carecidos!) arranjar aquele jeitinho esperto de fazer-nos operar às maravilhas com baixíssimo estímulo, movimentar-nos nas direções necessárias com um qualquer peteleco. Especialmente aqui por nossas bandas, em que sucessivas mãos históricas têm procurado esganar no berço boa parte das resistências e encorajar ao máximo uma perplexidade pastosa, viria a calharzíssimo uma turbina de brisa – um acessório acoplável à fatia pasmada de nossa gente, a que apanha na cara 50 dias por mês com projetos variados de destruição do país, porém dá de ombros sem grandes sustos, vira pro lado, comenta resignadamente A fazenda. Com uma centena que fosse dessas maquininhas de eletrizar (se distribuídas com estratégia pelo território nacional), cada leve mugido da boiada do Salles, cada murmúrio do Guedes, cada tilintar do recorde de lucro dos bancos seria o fósforo na gasolina, e o Brasil se levantaria atiçado como pólvora. Meia dúzia de combustões populares depois, quero ver qual malandro se atrevia a respirar dois decibéis mais alto no cangote do Gigante. Pois sim.

Não precisamos, claro, nos ater aos turbinões ou turbilhões coletivos: geradores de miniempurrões individuais são igualmente bem-vindos, como os substitutos de bateria pensados pelos chineses. Imagina! se de um perfume de café fresco a gente tirasse a faxina de um dia inteiro, se de um beijo soprado longe viesse o bem-estar de uma semana no corpo todo, se uma piscadinha diária renovasse a amizade por décadas. Imagina o farfalhar dumas páginas segurar a motivação durante meses; um ventilador caseiro nos garantir a gana de maratonistas; um aceno na rodoviária consolar a saudade por anos; uma cantigazinha de ninar acalentar toda uma infância de aconchego; um arzito de cachoeira pôr frescor indelével n'alma; uma corrente salgada de mar impelir virações de vida. Imagina quantas bafagens subestimadas e mansas não ganhariam potencial de ciclone, quantos minutos de zéfiro-bebê não se revelariam alimentos e respostas, se fôssemos equipados com a tecnologia de reciclar instantes – se nos tornássemos capazes de engrandecer em vez de amesquinhar, de trocar tempestades em copos d'água por águas (futuras) que movem moinhos. Nossa maquinaria invertida tende a aumentar pequenezas em correntes que atam, não que voam: uma lástima. Eis-me desde já na fila para as invenções chinesas, se em algum momento incluírem esse conversor fabuloso de atritos em impulsos.

Turbinem-nos, irmãos orientais. Que, para os próximos bons velejadores, meia lufada baste.

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