terça-feira, 20 de outubro de 2020

De caso com o acaso


Não há desculpa para tédio na internet. Outro dia mesmo descobri, na base do total acaso e ao sopro de uma consulta trivial à Wikipédia, esta ferramentazinha potencialmente viciante: o pequenino link (quinto entre os linkzitos azuis que moram à esquerda) chamado "Página aleatória". Vi, não acreditei que de fato fosse o que se prometia, cliquei – e de fato era. Ah, pronto, uma roleta-russa do conhecimento humano, uma Las Vegas virtual da história do planeta, uma embarcação louca e randômica que leva olhinhos desocupados tanto para a Região Geográfica Imediata de Lagoa Vermelha quanto para um livro de Zeca Baleiro, tanto para uma espécie de mariposa do gênero Blastobasis quanto para a segunda temporada de The crown. Ao toque menos-de-um-segundesco dum botão, inaugura-se o vício do imprevisto absoluto, e quando se vê já correram horas (hipérbole minha; nem paciência tenho) nesse caça-níqueis de informações alucinadas: one more, one more. Credo, que delícia.

A brincadeira, ademais, me captou pela memória além de estufar minha curiosidade naturalmente balofa; em tempos remotos, anteriores à própria internet – pelo menos em sua versão popular, caseira – e à Wikipédia mais ainda, eu já me distraía com o fortuito, abrindo e folheando aleatoriamente as vovós de capa dura da tia Wiki. Ansiava por lendas, pedaços de biografia, acontecimentos escabrosos, nomes bonitos de flores, singularidades poéticas de estrelas, o que fosse, o que viesse; era um jeito de escarafunchar o mundo e coser retalhos de repertório interessante, ao menos na duração do momento. Ora: para uma catucadora serial de enciclopédias, dar de cara com o tal linkzinho configura o clássico fenômeno pintum no lixum, de modo que me pus, faceira, a chafurdar nesse roletrando de bisbilhotice e sabedoria, sem data para retorno.

Graças ao girar extravagante do novo hobby, descobri que a cidade turca de Divrigi já esteve sob o domínio dos mengujêquidas; que o município amazonense de Autazes sedia a Festa do Leite; que o Piz Bernina é a montanha mais alta dos Alpes Orientais; que a Tinhosa Pequena (me identifiquei SUPER) é uma ilha de São Tomé e Príncipe; que a púrpura tíria é uma tinta vermelhona extraída de caramujos marinhos – muitão valiosa na Antiguidade, porque em vez de desbotar ela garra mais força com a exposição ao tempo e ao sol; que o Quirguistão levou uma medalha de prata e uma de bronze nas Olimpíadas de 2008; que o navio Olympic (ao contrário dos "irmãos" Titanic e Britannic, naufragados antes de completar uma viagenzinha comercial sequer) trabalhou pleníssimo entre 1911 e 1935 e ganhou o apelido de "Velho Confiável". Conheci o fisiologista britânico Joseph Barcroft, que se fez de cobaia várias vezes em seus experimentos, chegando a se expor a hardcorices como uma semana numa redoma de vidro, gases tóxicos, temperaturas baixíssimas (nesse último caso, inclusive, o sujeito ultrapassou a fronteira entre a ciência e a inconsciência, desmaiando num piripaque). Fui apresentada à existência da banda de rock japonesa Radwimps. Achei de uma beleza brusca a orquídea Dracula sijmii, com três agudezas que lembram muito, muito o bico dum beija-flor. Aprendi que namsewal significa "olá" e "adeus" na língua sunwar, falada no Nepal e na Índia. Fiquei sabendo que a cunhada de Carlos Magno se chamava Gerberga, mãe de Pepino e Cunegunda – o que não põe em ótimo conceito as escolhas batismais da galera do primeiro milênio. Virei fã da astrônoma americana Dorrit Hoffleit, pessoa nota cem: viveu cem anos, deu aula para classes maravilhadas de mais de cem alunos, dirigiu programas de verão para mais de cem estudantes (muitos dos quais seguiram carreira na astronomia). Isso tudão sem contar o tanto de páginas em que deslizei a vista mas não cheguei a condensar aqui, acachapada pela quantidade de números, dados, letras, nomes que existem impensáveis, só para nos esfregar no nariz a universidão solene de nossa ignorância. 

Agora muito com licencinha, que o oráculo da madame Wiki acaba de sugerir uma rapper sul-coreana e uma banda indie-roqueira de Birmingham; vou dar um vapt-vupt esperto ali no YouTube e não sei em que década eu volto.

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