segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Mas


Que é isto que a gente é, pequenos ou grandes aglomerados de mas; basicamente, bichos adversativos.

Eu, por exemplo. Sempre amei os dias azuis, mas hoje acho beleza também nos dias chuvosos e densos, mas continuo sem ser fã de frio, mas já tolero o frio com muito mais ternura que nos outroras, mas ainda considero o verão bastantemente mais prático em termos de roupa, mas concordo que o verão carioca tem atingido altos índices de insuportabilidade, mas admito que malas para calor são o que existe de mais light e fácil, mas me sinto muito mais à vontsss sendo fotografada de casaco e calça comprida, mas odeio calça comprida com uma quantidade razoável de força, mas em avião só uso a cuja, mas nem chego perto da linda pelo resto do ano. Adoro o aconchego de deitar feito bolinha e ler com o descompromisso pedido pelos dias que amanhecem escuuuuuros e tempestádicos, mas me sinto culpada pelos que não têm onde estar a salvo da tempestade, mas sei que nenhum sentimento ou impressão empurra ações meteorológicas, mas permaneço com o gosto amargosinho e pesaroso, mas tenho ciência de que só voto em candidato alinhado com ideias e projetos de cidade, país, planeta o mais plenamente igualitários. Sem mas.

Desde as primeiras cenas de vida curto vermelho, mas um bocadito mais tarde adotei o amarelo, mas aconteceu de eu somar os dois e acolher o laranja, mas na verdade meu nome sempre foi rosa (e rosa meu buquê, e rosa meu sapato de casamento), mas também tenho comprida ligação com o verde, mas o vestido de formatura ensino-média foi azul, mas azul nunca esteve entre minhas definições cromáticas, mas adoro, mas me sinto mais criativamente instigada pelo turquesa, mas pintamos a parede do quarto de lilás, mas ao fim e ao cabo é quase eternamente no espectro vermelho que pairo, com a alma rósea vestida de vinho. Cresci gostando de bicho, mas jamais tive pet, mas em pequena punha uma ou outra formiguita no potinho para dizer que era pet, mas as formigas sempre me irritaram, mas evito matar serezinhos tanto quanto possível, mas não sou vegetariana, mas gostaria de ser, mas amo mais do que deveria uma carne malpassada, mas declaro remorsos – e declaro profunda atração pelas cardapices veganas. Mas não me vejo capaz de dar-lhes exclusividade tão cedo.

Sou preguiçosa, mas me adapto a mudanças. Sou urbana, mas viveria no mato. Sou louca pelo Romantismo na literatura, mas bem pouco paciente com derramamentos na vida real. Não quero filhos, mas queria formar cultural e politicamente uma criança. Não perdoo a Europa, mas moraria nela. Não voaria de asa-delta, mas talvez voasse. Não curto carros nem quis nunca aprender a dirigir, mas sou apaixonada pela fofíssima Romi-Isetta. Não sou aquática, mas se pisar na praia não saio do mar. Gosto de sossego, mas gosto de festa. Gosto da sobremesa, mas prefiro o almoço. Rio pacas, mas não suporto comédia. Amo ajudar, mas não quero que dependam de mim. Acho café e leite uma delícia, mas meu estômago e afiliados discordam. Me sinto bem deslocada e bem ajustada simultaneamente. Me ponho altas metas ou nenhumas concomitantemente. Faço que acredito que o mundo ideal é atingível e ainda dá tempo de esta geração sair do betume no qual se atirou como numa piscininha. 

Mas acontece que é. E dá.

2 comentários:

Adriane Garcia disse...

A integridade é isso, nosso ser complexo que abriga muitos "mas". Ótimo texto.

Fernanda Duarte disse...

Somos docemente complicados, não? 😉 Obrigada por sua visita carinhosa, querida!! 💗💗