terça-feira, 13 de outubro de 2020

Purple rain


Roxo é a cor do momento, de acordo com a seção Nossa, integradinha ao site do UOL. Por quê? porque a Semana de Moda de Paris acabou de acabar e a tonalidade bombou nas passarelas. Até hoje não sei, bem ao estilo dilema-Tostines, se as passarelas captam excelentemente o Zeitgeist ou se o Zeitgeist é consideravelmente fabricado no desfilar das passarelas, ou se ambos e pronto, ora bolas; mas sei que combina: uma buscazinha rápida sobre o significado do roxo e o Google já nos joga na cara, com destaque, que o tom se relaciona com "espiritualidade, magia e mistério", "transmite a sensação de tristeza e introspecção", proporciona "a purificação do corpo e da mente", "é a cor da transformação", dentro da liturgia católica é utilizado "no período da Quaresma ou nas missas pelos mortos" (só esqueceram a fase pré-natalina do Advento, em que as vestes roxinhas também representam a preparação para a vinda de Jesus, parecidamente com a época de preparação para a Páscoa). Em suma: TOTAL 2020 going on 21 – vibe melancólica mas algo esperançosa, meio barroca mas ligeiramente mais serena, de marcação de morte em vias de vida. As passarelas manjam dos paranauê.

É tempo, parece, de fazermos tim-tim de vinho tinto em amorosa honra dos que já foram e em festa aos que ficaram; um brinde aos vínculos atados, reatados e permanecidos. É tempo de assar muffins de blueberry em família, inaugurando tradições perfumadas entre os que as circunstâncias confinaram e desafiaram a novos elos. É tempo de resgatar com a filharada o mundito lilás da Princesinha Sofia, tempo de propor aventuras palacianas, gnomos, monstros do mar, passagens secretas. Faz-se já hora fundamental, necessária, de acompanhar o embate entre azuis e vermelhos da eleição americana (exclusivamente no caso ianque, torcendo para os azuis), uma vez que se trata de um planeta inteiro na labuta para salvar o pescoço de nova degola. Faz-se momento de enfrentar anemias e oxidações físicas e figuradas; de incrementar a força e o sangue com o exército púrpura de repolhos, cebolas, berinjelas, beterrabas, uvas, açaís, ameixas, figos, amoras, framboesas; de descobrir como acolher – com cuidados pessoais, políticos, terráqueos – a radiação ultravioleta; de descarregar serotoninas namorando (a)o crepúsculo. É tempo de adoçar de lavanda o perfume da casa. É tempo de vestir para Halloween as crianças (oh, please: pode sim). É tempo de espalhar tulipas, violetas, verbenas, orquídeas, lisiantos, amores-perfeitos pelos cômodos. Tempo desdobrável de espanar – não necessariamente expulsar – incômodos.

Sim, e há o mais bonito e historicamente definitivo: lilás é a cor por excelência do feminismo, da onda que não recua mais nunca; vai ter cada vez mais mulheres nobelizadas sim, mais indicadas, mais reconhecidas, mais ouvidas, mais oscarizadas – e em nenhuma das próximas décadas a tendência vai sair de moda, até o dia da explosão do Sol. 2020 esfregou no nariz do mundo o quanto as mulheres são safas na administração de crises, no emprego de orçamentos e na proteção aos seus; jamais se esquecerá essa liçãozinha translúcida, jamais soprará de ré a brisa purpurina de transformação que chegou tacando o pé na porta. Se precisar, lançamos mão de outras roxices; metemos o Coringa; metemos até (podendo escolher o que se esvai num estalar de dedos) o Thanos. Mas para trás ninguém vai, ninguém volta, nossa passarela segue mão-unicamente em frente, desfilando sua coleção de tudos: gurias na prefeitura, na ciência, na gerência, na presidência, na polícia, na política, na direção, na aviação; minas muitas, minas várias, minas de ouro, minas sim.

Ele – não.

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