segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Quanto riso, quanta alegria


Numa dessas matérias sobre curiosidades psicológicas, descobri bonitinhamente que, quando se está em grupo e alguém conta uma piada ou lança uma tirada ótima, nossa tendência é olhar para a pessoa de que mais gostamos enquanto rimos. A matéria não explicava o exatinho porquê, mas me arrisquei a ficar considerando algumas possibilidades. Uma que me ocorreu, talvez de maior chance: queremos mergulhar no fato de que estamos vivendo um momento legalzão na companhia de um querido, e usamos o olhar cúmplice e trocante como espécie de lacre do documento; veja, eis um daqueles flashes carimbados em nosso álbum afetivo, eis uma memória registrada, solidificada, a que eventualmente poderemos retornar pela abertura desse portal mútuo. Um tipo de horcrux do bem, feita só daquela pseudomorte que uma gargalhada roubadora de ar nos provoca – e causa de nossa alma permanecer um bocadinho naquele instante, atada à vida não por profundo ódio como nos livros, mas sim por amor profundo. 

Outra hipótese para essa busca visual bem específica: oportunidade douradinha de saber coisas grandes sobre a pessoa amada. Ora, o riso, o fingimento do riso e a ausência do riso xisnoveiam a gente que é uma riqueza; não é excessivamente difícil fazer o teatro de uma compunção, de um susto, porém é hardíssimo deixar de ter a reação figadal do riso quando explode – ou, ao contrário, forçar a barra com tanta arte a ponto de vestir um riso frouxo e amarelo de luz legítima. O que nos parece hilário assalta nossas reações e nos escapa antes que o detenhamos; é normalmente imediato, visceral e puro. Por aí conseguimos investigar, com margem de erro razoavelmente pequena, quais são nossas referências em comum com alguém, o que (não) move ou (não) comove esse coraçãozinho observado, qual o tamanho de seu empenho para se encaixar no grupo, quantas de nossas opiniões se abraçam do modo mais espontâneo. Naturalmente, o serviço prestado pode ser o exato oposto: mostrar ao queriducho que estamos juntos, vê?, temos os mesmos parâmetros, somos conterrâneos num planeta que acha graça das mesmas situações, entendemos as mesmas diretas e indiretas; meu senso de humor é pra casar.

Mais um chute especulativo é supor que haja um simples componente de estudo físico (sempre pensando em termos de crush mode): precisamos saber completita a outra pessoa, sabê-la em detalhes, conhecer-lhe o aperto dos olhos e o vermelho do rosto e o suspiro abafado de rir e rir e rir e rir – ou então encantar-nos outra vez e sempre com o que já conhecemos de sobra. A gargalhada é, enfim, um desarmar-se quase inteiro, uma entrega, uma incontenção; há poucos minutos tão propícios para observar sem defesas quem mais desejamos sem elas, poucos instantes melhores para flagrar uma intimidade, uma integridade d'alma tão assim a nu. Vai ver que é bem tudo isso junto-misturado, e outros bons milhares de motivos desvendáveis por cientistas de diferentes áreas. Ou vai ver que não é absolutamente nadíssima do que eu falei, quem é que manda esses escrevinhadores leigos de tudo enfiarem o nariz de tamanduá no formigueiro alheio? HUMPF.

(Só sei que, se desfiei um monte acachapante de abobrinhas, a gente ainda vai rir muito disso.)

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