sábado, 3 de outubro de 2020

Pequeno compêndio de coisas grandemente irritantes


Torneira que precisa de full contato com a mão para girar. Controle remoto que carece de palmadas para reagir. Barbante que engata na rodinha da mala. Papel alumínio que vem com manchas suspeitíssimas. Papel higiênico que sai do pacotão econômico com o rolo achatado. Maçã farinhenta. Massa molenga. Videochamada. Pronunciamento daquela criatura no meio da novela. Tubo de pasta de dente que rasga do lado. Shampoo que vaza durante a viagem, mesmo embalado como uma amostra do ebola. Palavra que é perfeita no texto, mas faz rima indesejada. Alergia. Furadeira. Gente em fila de mercado que apoia o cotovelo no nosso carrinho. Detergente que faz que acaba, quase acaba e não acaba. Bichinho da luz. Cabelo no chão. Obra no vizinho. Festa no vizinho. Futebol no vizinho. Fonética e fonologia. MANCHA em roupa (ódio, ódio). Horário da NET 132% desencontrado dos programas que estão efetivamente passando. Filme dublado. Série dublada. Coisa que só passa dublada.

Personagem que fala sozinho e dá altas explicações para si mesmo. Gente que papeia em grupo no metrô. Gente que insiste na piada do pavê (apenas parem, eu imploro). Gente que prevê ou explica cada maldito frame no cinema. Fiozito de cabelo solto – presente o bastante para amofinar a pele e fiiiiiino demais para ser capturado. Chave que se emaranha na própria argolinha. Película de produto que se subparte em 8.413 tiras aleatórias. Música inconvidada que fica tocando num carro de som do pensamento. Garfo que escorrega inteirinho para o molho. Pulinhos que o olho dá de vez em quando. Leite e café solúveis que não são tão solúveis. Casais que nunca escolhem os imóveis claramente melhores nos programas do Home & Health. Pontinha de durex que humilha a camuflagem do exército em termos de invisibilidade. Lojas que nos impedem a alegria do garimpo solitário. Sites que atualizam no meio da leitura. Calças que marcam (ora, o quê. Tudo). Branquice que o chocolate ganha na geladeira. Mangas compridas molhaditas na borda. Tupperwares pós-molho de tomate. Imagens faiscantes de bom-dia. Clichês. Pop-ups. 

Não poder escolher com o que se sonha. Usar band-aid no dedo, senti-lo perigar a qualquer movimento, ficar com a pele local tão enrugada e pálida como se emergisse da Transilvânia. Deparar-se com o dinossaurinho que anuncia, sádico, a ausência de internet (OK, acho fofo vê-lo piscando). Receber solicitações facebookas de seres que não abrem a timeline para uma análise básica de perfil. Achar O meme para o compartilhamento DA VIDA, mas com erro gramatical que atira no baço à queima-roupa. Achar a blusa DA VIDA no brechó, mas para um você de quinze anos atrás. Achar bolha após a aplicação do contact. Não saber onde carambolas guardou o papelzinho (sempre há um papelzinho). Não saber por que dói. Não conseguir localizar o epicentro da coceira. Jurar que hoje sim vou dormir cedo e ser abduzido por uma série policial às 2h04 da manhã. Se perder no quinto asterisco da senha e digitar tudo de novo. Trocar a senha esquecida pela exata senha esquecida. Ler texto de lista. Caçar itens para texto de lista. Estar às 4h16 na sala, sem arrematar o texto de lista, com música inconvidada tocando bumbo, fagote e cavaquinho no pensamento.

Ainda ter de encontrar o papelzinho.

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