quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Estranhezas


Eu, como todos, sou estranha. Gosto de ver a máquina de lavar batendo as roupas em neve. Não raramente falo sozinha em inglês. Se por acaso espio o relógio e calha de estar em 12h34, fico esperando até ter a chance de ver chegarem os 56 segundos, para completar a sequência (nenhum motivo não, só acho bonitinho). "Enxergo" cores em palavras e números. Curto sinceramente comida de avião. Não consigo deixar de confundir determinados nomes, como Roberto e Ricardo, Simone e Solange. Toda vez que passa um comercial de alguma forma fascinante, paro para assistir arrastada pela mesma irresistibilidade, aguardando com estrelinha nos olhos as partes favoritas – um trechito de música, uma expressão do ator ou atriz, um elemento qualquer que me leva no bico pela maciez, pela fofura, pela graça, pelo timing. Não me equilibro em bicicleta. Não tenho secador em casa. Não sei dar informação na rua. Não sei segurar bebês. Não sei descascar fruta (não sei descascar nada). Não compro saco de lixo porque praticamente toda uniformização me entedia. 

Quando aparece alguém desconhecido (brasileiro) na TV, fico tentando adivinhar o nome pela cara, antes que o identifique a legenda. Legendas, aliás: vou necessariamente lê-las, mesmo que o áudio esteja em português. Às vezes peço desculpas a objetos. Me dá conforto instantâneo sentir cheiro de café na vizinhança. Me dá agonia doida qualquer coisa – que não óculos – presa à orelha (sim, uso adaptador de máscara. Não, não uso brinco). Volta e meia me gruda no ouvido mental algum termo completamente aleatório, como "retículo endoplasmático rugoso". A primeira coisa que me ocorre, diante daqueles salões suntuosos cheios de curvinhas à Versalhes, é "quem limpa isso?". Sou tomada de uma boa moleza ao som de vozes específicas, sem que tenha nadíssima a ver com estimar ou sequer conhecer a pessoa. Sofro de misofonia: há barulhitos que me aceleram o pulso, me arrancam a atenção, me deixam simplesmente insana. Tenho uma vontade enfofurada de amassar cachinhos alheios. Crio particípios sem o menor pudor. 

Normalmente permaneço na sala de cinema até a telona cuspir toooodos os créditos, ainda que não seja filme da Marvel e os funcionários me olhem discretamente furibundos. A não ser em casa com os familiares, adoro poder almoçar sozinha (please, não me digam "vou ficar aqui te fazendo companhia"). Creio serem exceções os dias em que NÃO tenho dor de cabeça. Não sou fã de ouvir música, mas, se ela estiver casualmente tocando e me for preferida, não sou fã de quem me impeça de ouvir a música. Odeio o roçar de lápis e lapiseiras no papel; só uso canetas, silenciosas e definitivas. Não uso carteira. Não uso estojo. Não uso cartão de crédito. Não uso blusa sem manga. (Praticamente) não uso calça comprida. Morro de preguiça de assistir a filmices no recesso do lar; séries idem, ibidem. Detesto estar com alguém a tiracolo quando preciso comprar roupa. Danço jingles de comercial e vinhetas jornalísticas. Apoio o controle remoto no pescoço. Transformo em advérbio qualquer palavra que respire.

Crio minialternativas de existência sem o menor pudor.

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