quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Meu pote


Cá estamos: bodas de cerâmica (ou de vime), equivalentes a nove aninhos casamentícios. É formidavelmente linda e amorosa a simbologia envolvida nesse construir cerâmico, nesse construir algo a partir da terra; mais linda ainda quando se acolhem as palavras de Claude Lévi-Strauss: “Há milênios, sob todas as suas formas – barro esmaltado ou não, faiança, porcelana –, a cerâmica está presente em todos os lares, humildes ou aristocráticos. Tanto que os antigos egípcios diziam 'meu pote' para dizer 'meu bem', e nós mesmos, quando falamos em reparar danos de qualquer espécie, ainda dizemos 'pagar os vasos quebrados' [payer les pots cassés]".

Meu pote. Meu pote, sim, já que todo amor é um receptáculo; todo amor é ao mesmo tempo práxis e arte, presença sólida e beleza just because, infraestrutura e decoração (e tome coração). Todo amor é, tanto quanto a cerâmica, moldado pela maciez mas enrijado pelo fogo – fogo dos dias que sempre demandam, nem sempre se sabe exatamente o quê; demandar: verbo intransitivo. Todo amor é, como a cerâmica, um fruto misto do que buscamos de imprescindível e do que nos agrada criar, um mestiço de ideia e sonho, uma miscigenação entre o que é do chão e o que é do éter; poucas feituras artísticas são tão utilitárias, poucos instrumentos de rotina são tão estupendos; existe em ambos o apelo do cotidiano e o luxo das solenidades. Potes e amores, belos na superfície, precisam ser forçosamente hábeis na acolhida e na conservação, ou bem pouco lhes resta: o seu destino é ser e estar.

Em nove anos (afora os outros nove de namorice), nossa ceramorâmica já atravessou uma bem considerável estrada de solidez – sem perder a ternura absolutamente nunca. Eis o abre-te-sésamo: ternura. Continuamos os dois igualmente flexíveis, adaptáveis, estáveis na forma e ainda assim almofadados no conteúdo, em prontidão para o apoio e o afago, prestes no cuidado, desarmados na conversa, desativados para o modo apontamento de dedo, estranhos a fraturas e discussões. Mui importantemente, fomos talhados no mesmo torno, do mesmo material; educamos juntos a mesma visão de mundo qual se educássemos o filho que não temos (nem pretendemos); crescemos a crença nas mesmas políticas, nas mesmas justiças, nos mesmos conceitos, aprendendo constante e entrelaçadamente, em mútua admiração e respeito mútuo. A convivência é a natural, fácil e fluida confluência de dois fluxos de rumo idêntico: somamo-nos sempre, não disputamos intensidade e terreno jamais. Em nove anos (e mais nove), não há vasos quebrados a serem pagos, não há menos – há mais! – inteireza e doçura do que já houve um dia.

Os nove são a prova da alegria.

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