quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Palavras que eu não poderia viver sem ter conhecido


A gente vive bolando planos extraordinários de lugares a visitar pós-pandemicamente, ainda mais que estamos quarentenados, assistindo a tooooodos aqueles programas que jogam a normalidade sanitária e financeira na nossa cara: um percorre lindamente a Califórnia, outros se esbaldam num balanço australiano radical (frio na espinha só de ver), uma família se encanta com a aurora boreal na Noruega (ou Dinamarca? sempre me enrolo), a diva Titi Müller agita todas na África do Sul, um martírio. Queremos copiar tudo, adentrar os mercados, provar iguarias, voar em tirolesas, garimpar lojinhas, chacoalhar os hormônios em montanhas-russas; só que não dá, não pode, estamos reféns de duas pragas que já são as maiores do século, sendo que apenas para uma existe vacina previsível. Suspiro. Desolação.

Enquanto não há chance de pousar em outros cenários, de desbravar lonjuras geográficas, cá fico brincando de desbravar as ortográficas, as vocabulares; aterrisso louca, louca nos verbetes tão improváveis como cidades de cheiro desconhecido, aquelas em que ainda é tudo mato dentro da gente. Ontem mesmo, cavucando a lusofonia, descobri um termozito que é quase excursão a uma praia deserta, e bate todos os índices de espetacularidade: bambúrrio – equivalente a "sorte", "acaso feliz". Onde estavas tu minha vida inteira, bambúrrio, seu lindo, que não te enfiei em diálogo nenhum? Outra palavra que é uma preciosidade de usar com aqueles jovens empreendedores de sapatênis que começaram do zero, fora os 300 mil investidos carinhosamente pela família: lampinho. Significa "imberbe", meramente; mas não vem à cabeça todo um kit Faria Limer de ser, vestindo camisa social e mandando um mindset? Não há como não chamar de um quadro torcionário – ou sejinha, feito para o tormento e a tortura. Ninguém merece esses besnicos (criancinhas) escondendo as crueldades do mercado debaixo de uma tagarelice estúrdia (tola, desajuizada), que não muda em nada as ideias horrípilas (sim, é isso mesmo que parece). 

Sendo quase certo, infelizmente, que quanto ao vírus não estejamos passando por um processo perfunctório (rápido, efêmero), e sim cuntatório (demorado), é necessário vigiar nosso centro e viajar pela letra para que nossa fome de coisas novas não mergulhe em astenia (diminuição da força); é tempo de indúcias (tréguas) com relação a todas as expectativas grandonas – tempo de zumbrir-se (curvar-se) às evidências. Não nos cabe a pesporrência nem a filáucia (arrogância, orgulho) de lidar com o que temos da forma como lidamos com o que tínhamos, o que só geraria absonância (falta de harmonia). Se a situação é nupérrima (nova, recente), fósmea (confusa) e metuenda (amedrontadora), precisamos avançar de coração estrênuo (corajoso), porém húmil (humilde): qualquer experiência de conhecimento é experiência bem-amada, qualquer estrada vinda é estrada linda, por mais que não provoque ginge (arrepio de emoção). Acobilhemos, acobilhemos (acolhamos), que não adianta perdermos vida com renuídos (movimentos de negação com a cabeça); neste error (viagem sem rumo) de 2020, todo caminho que se abre é pérvio (transitável). 

Mas a coisa beeeeem que podia desenroscar na base do bambúrrio.

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