quinta-feira, 25 de março de 2021

A hora da estrela


O Brasil é sim estrelado, estreloso, estrelício, estrelímpido, estrelargo de coisas destinadas a brilhantes, estrelustroso de vias (lácteas) como em poucos lugares houve ou haverá. "Nosso céu tem mais estrelas", bem suspirou a finíssima intuição de Gonçalves Dias no poema tão nosso que se enroscou no próprio hino. Nossa bandeira, se tem algo de estrelucidamente brasileiro em meio a ordens e progressos macabros, em meio a cores de nobreza europeia, ah, são as estrelas – elas sim nossíssimas, da-terríssimas, apesar de celestes. O Brasão da República: estrela grande, estrelas do Cruzeiro, estrelas em volta do Cruzeiro, estrelinha amarela sobre vermelho; "quase que só há estrelas", adendaria Murilo Mendes, outro nosso constelador poético.

Na camisa de futebol (que pena, Senhor, vê-la ultimamente sequestrada pela barbárie), temos também bordadinhos os maiores estrelouros já atingidos. E quem nega a Mané Estrela Solitária Garrincha as devidas astro-realezas do campo? Ninguém gingou mais que ele, nem ninguém jinglou mais que nós em proporções estelarcionais: "Estrela brasileira no céu azul", "Estrela estrelando, brincando com a gente, e a gente brincando feliz", "todos num só coração,/ um céu de estrelas". Inevitavelmente, cosmicamente, a estrela é nossa companheira, nossa brincadeira, nossa diversão; há de surgir uma estrela no céu cada vez que o Brasil sorrir (caso do acaso, signo do destino – e o nosso é ser star). Tão estreluminosos somos que até uma Belém nos coube em partilha, assinalando caminho aberto para surgimentos alumiadíssimos; uma constelação todinha de nomes astrais nasceu bem filha cá da terra: Alcione, Nair Bello, Maria Bethânia, Maria Rita, Maria Gadú – para representar nossa infinidade de Marias, mui galacticamente superiores a três –, Soraya Ravenle, Tânia Alves, Dalva de Oliveira, Céu e mais todas as Carinas, Normas, Berenices, Mayaras, Talitas portadoras de xarás siderais, estrelas da vida inteira. Todo brasileiro tem uma estrela dentro do coração.

Ora (direis), certo perdeste o senso! Então se pode festejar como palco iluminado um país que anda mais para palhaço das perdidas ilusões? E eu vos direi no entanto que, por mais que nossa boa estrela venha passeando tão alta e tão fria, já tem voltado a luzirzinho na recente vida vazia, só pra ver a flor do nosso sorriso se reabrir. Ainda não conseguimos botar um meteoro sobre o assunto coiso-apocalíptico, é fato, mas só a miniaurora da perspectiva de repor o Lula faz crescer em anos-luz a esperança, ou a esperança de retomar nossos anos-luz. Essas mil expectativas de devolver o país à sua primeira grandeza, essas milhões de ansiedades por escrever-nos enfim uma página supernova – ah! amai realmente o Brasil (aquele potencial Brasil do sol da liberdade, do sol do novo mundo) para entendê-las; só quem o ama por bem ou por mal, livre de cegueiras, exausto mas firme nas crenças, tem ouvido capaz de ouvir e entender o que o melhor Brasil criança, antropofágico e pindorâmico, diz.

Sem medo de ser (novamente) feliz.

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