quinta-feira, 11 de março de 2021

Direto ao assunto

"Perdido é todo o tempo que em amor não é gasto", escreveu o aniversariante italianíssimo Torquato Tasso, 477 anos de muita poesia. Toca aqui, Tassinho: devias provavelmente viver, como vivemos muitos, em permanente estado de eye-rolling diante da constatação de que sobram gentes apaixonadas pela guerra, fascinadas pela destruição e pelo conflito, incansáveis na agricultura de tretas. Tretas (claro) são musas e divas quando se confundem com o impulso sagrado do protesto, do afrontamento cabeça-erguido de injustiças contra o self próprio e o alheio – caso em que tretar é amar automaticamente, coabitar na luta, coexistir na experiência e na dor; mas não é desse empenho exaltável que falo com o nariz torcido, e sim daquele habitual a egos molengos que plantam tempestade para disfarçar sua incapacidade crônica de navegação. Preciso mesmo exemplificar, considerando que nosso mais alto escalão executivo produz uma quantidade pornográfica de evidências quando acorda, come, anda, respira? Ou a cronologia desse povo vociferento foge à de nós mortais e é medida em unidades de Asgard, da Atlântida, do Olimpo, fazendo cem anos parecerem uma ida à padaria – ou se trata realmente duma galera infeliz e temerária que dança à beira do abismo, sem qualquer inteligência de rechear sua vita brevis de bons relembramentos e suficientes doçuras.

Seguinte: a coisa é rápida, é muito rápida; o período entre dois dezembros que (em nós crianças) levava duas décadas agora se escoa em dois meses, e a ceia de Natal por pouco não é aquecida com fondue dos ovos de Páscoa numa fogueira de São João. Não bastasse a correria dos dias sobre nós e de nós sobre eles, o mundo pandemiou-se e, súbito, nos jogou mais ainda na cara o quanto cada minuto vive na iminência de derreter-se: à constatação ocasional da ligeireza somou-se, em escala global, a bofetada da fragilidade, o berro de acorda! ao pé do ouvido. Acorda, minha gente, acorda – que ideia ridícula essa de cultivar consumições inúteis mesmo na olheta do furacão, como se nos perdendo em todas as variantes de raivas e egoísmos ficássemos, estranhamente, imunizados contra a efemeridade e a morte. Como se a recusa em nos assumir débeis nos desse mais tempo, mais força, ao invés de fazer o exato oposto arrancando-os de nós.

O tempo ruge, diria o doutor Improtta, mas precisamente porque a Sapucaí NÃO é grande e toda chance é pouca para deixar de bestagem. Deixar de arredar de si o filho que não escolheu sua orientação sexual nem quis "atingir" ninguém com ela, sempre quis apenas a liberdade de ser-se e o direito de não perder o aconchego respeitoso que a família deveria assegurar-lhe. Deixar de se amofinar com o vizinho cujo catioríneo nem incomoda tanto, é inclusive fofíssimo (por sinal, não é que o danado – o vizinho, não o catioro – faz uns muffins de comer rezando?). Deixar de defender qualquer sistema de governo que não priorize o bem-estar da BASE da pirâmide, onde a maioria de nós se encontra e onde não convém, portanto, cultivar inimigos, e sim aliados. Deixar de semear o inferno matrimonial: MOTIVO HOUVE para que duas pessoas resolvessem livremente compartilhar o banheiro, as panelas, a senha do wi-fi, não é possível que não tenha sobrado ternura no pote. Deixar de briga de torcida, de disputa por colherada de sorvete, de divórcio por divergências de BBB, de implicância com roupa, de implicância com sotaque, de implicância com cabelo, de implicância com tatuagem, de preconceito idiota (pleonasmo, eu sei), de fanatismo excludente, de fofoca de corredor, de picuinha de zap, de rixa por crush ou fiquete ou peguete. Deixar as vias limpas, leves, livres para a busca, a escuta, a aceitação, o mutirão, a cumplicidade, a convergência. A otimização da – obrigatória – coexistência.

Já que o megatrabalho em grupo é compulsório, bora organizar direitinho para (toda) a gente pelo menos enricar de conteúdo, arrasar na produção de material e se garantir na nota.

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