quarta-feira, 3 de março de 2021

Tão simples


Diz que hoje, terceiro dia do terceiro mês, é o Simplify Your Life Day – momento de escolher e fazer três coisinhas para simplificar a vida, segundo as "instruções" relativas à data (o próprio esquema 3-3-3 foi definido como uma útil simplificação do trabalho dos neurônios, que agradecem, felizes, o amaciamento dos dados para a memória). Que tipo de três coisinhas? Quaisquer que desentulhem de alguma forma os emaranhados em que nos metemos, não poucos. Quaisquer que facilitem a cozinha, o convívio, a conversa, o armário, a circulação, a decoração, a relação, o orçamento, a saúde, o serviço, e que liberem aquele tempinho de qualidade antes atolado num lamaçal de redundâncias.

Exemplices. Deixar o celular to-tal-men-te desligado em horas e lugares nos quais a atenção não se supõe, mesmo, fracionada (me diz PARA QUE manter o bicho en garde no cinema, na escola, na igreja, se a sensatez e o respeito mandam que NÃO seja atendido). Separar as roupas por estação e cor. Arrumar os livros em ordem alfabética de sobrenome. Fazer uma lista de toooodos os itens a serem – e que foram – depositados na mala. Partir em quatro as velhas folhas de papel escritas só de um lado, uni-las com pregador e voilà!, bloquinho de rascunho. Levar SEMPRE uma garrafita de água na bolsa ("ah, mas minha bolsa é minúsc..." – se vira: SEMPRE. E acrescente um guarda-chuva, vai por mim). Encostar mais quadros na parede em vez de furá-la. Comparecer à reunião de condomínio em vez de chorar a cota extra derramada e criar um motim pós-reeleição do síndico. Procurar, na palavra desconhecida, raízes comuns às nossas muito íntimas. Havendo reforma, providenciar mais tomadas na casa, no apê, no mundo. Havendo vizinho, ignorar o incenso, as discussões, o catioro: sobejam aborrecimentos mais urgentes no mundo. Vai por mim.

Comprar roupas para o próprio tamanho, não para um número desejadamente imaginário. Tornar-se um visitante de redes sociais, não um residente perpétuo. Dizer o necessário com delicadeza mas com objetividade; existe coisa mais ENERVANTE que enrolação e papinho de cerca-Lourenço? Seguir a OMS, ouvir a OMS, parar com essa palhaçada cloroquínica. Gostar de legumes. Estudar a matéria antes que ela se torne aquela bolostroca de pedra que tentou achatar o Indiana Jones. Não acalentar a pretensão de converter bolsomínion raiz (o efeito, para o argumentador sensato, é idêntico ao que teria a bolostroca sobre o Indiana). Já entrar na livraria sabendo o título procurado, não apenas a cor da capa. Conhecer a voltagem local. Só começar um filme quando há empenho de chegar ao final. Defender as classes mais baixas: tudo que é rico já vai muito bem, obrigado. Dar todo dia uma destruidinha básica no patriarcado. Ter um discurso uno e constante onde for (por favor).

Vender ou doar vestidos de outros tempos, outros ventos. Agitar maneiras virtuais de matar saudades longas. Beber o dobro de água, comer a metade de sal – menos, aliás. Mandar para a luz os grupos de zap que drenam e trancam o avanço do dia. Desbravar gavetas nunca dantes enfrentadas. Varrer excessos de traquitana da área de trabalho no computador. E da pia do banheiro. E das entranhas da bolsa. Emoldurar bugigangas queridas e ímpares: mapas, ingressos, cartõezitos de metrô estrangeiro, resumos da ópera. Sorrir com menos parcimônia, lavar as cortinas, meditar uns minutos, cantarolar botando a roupa na máquina, desengarrafar a circulação botando os pés para cima, romper relações entralhadoras, descobrir que aquela mancha sai com bicarbonato, descobrir receitas rapidíssimas, ver vídeos de crianças fofíssimas, selecionar uma série de cada vez, ler ao menos um livro por mês, pôr o Baby Yoda de papel de parede e, na sala, uma rede: simples assim.

Vai por mim.

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