sábado, 20 de março de 2021

Toda espécie de felicidade


Longe de mim falar bem de numerices, mas não sou eu, é o matemático húngaro Alfréd Rényi – que completaria cem aninhos redondamente hoje, Dia Internacional da Felicidade: "Se eu me sinto infeliz, faço matemática para ficar feliz. Se estou feliz, faço matemática para continuar feliz". Eeeeeca, Alfréd. No meu caso já escolarmente longínquo, precisei me LIVRAR de fazer, ver, ouvir, suspeitar, engolir matemática para estar e continuar feliz; mas enfim quem sou eu para apontar o dedito na cara do hobby alheio, eu-assistidora de programas psicopáticos. O que de melhor poderia acontecer à minha tribo cirandeira, aliás, era mesmo que houvesse Rényis em profusão na face terrestre para trazer equilíbrio à Força, ou do contrário se acabaria o mundo em gente usando como unidade de medida o marromeno ("Ô Adílson, põe aí na fórmula uns dois ou três marromeno desse troço de potássio e vê se presta"). Valeeeeu, Alfréd: o fato de tantos lindos como você se encantarem de cálculos e teoremas liberta os miçangueiros como eu de mil incômodos, tipo comprar material de construção sempre insuficiente ou explodir sem querer o planeta.

Num brinde conjunto à memória centenária de Rényi e ao Dia da Felicidade, contem-me pois: que fazem/veem/abraçam/consomem vocês para ficar ou continuar felizes? Gostar, só, não vale a pontuação completa; tem que vir uma onda de realização com a coisa, aquele perfume de pós-tempestade, de convalescença, quando flutua uma certeza boa de que todos os trens vão recarrilhar-se. Pão francês quentinho, por exemplo, e devidamente amanteigado, é para mim tiro e queda – regala de imediato a vida. Leitura dum romance gordo, afável, psicológico mas igualmente aconteceiro, com uma ruma de personagens a que a gente se apega que nem família, e em cujo desenrolar já se pressente um gozo suave: ah, sim, mesma prateleira do pãozito quente. Cold case em seus episódios ainda não me-conhecidos. Sensação táctil e inebriante de hora nenhuma, compromisso nenhum. Longa cantoria (baixinha) pela casa naquele dia em que a voz acorda certa. Filé mignon com guarnição à francesa dum restaurante aqui arredórico. Brincadeira de anagrama no Racha Cuca. Garimpo na Estante Virtual. Crônica da Martha.

O maravilhoso, incomparável já ter: feito a mala, arrumado os livros, terminado o texto, lavado a roupa, pendurado a roupa, borrifado antilimo no banheiro, postado atividade de escola, atualizado o diário de classe, corrigido o que é de corrigice, encomendado o que é de mercadice, atravessado mais um episódio de The walking dead (NÃO. ACABA. NUNCA), parabenizado no Face os aniversariantes (confesso: quase nunca). Ter entrado de férias – ficar, ficar, ficar residente nelas. Convencer o Word de que é uma folha só, não são duas. Pronunciar convincentemente qualquer bobagem em francês. Achar saia de comprimento perfeito. Achar tema de comprimento perfeito. Constatar, na rua, acácias de cachos balofamente floridos. Escolher presente para gente eclética de presentear. Conhecer o quarto de hotel onde se morará uma semana com outra vida, outro roteiro, outro idioma. Passear após a janta do hotel fazenda na esperança de vaga-lumes. Embriagar-se de céu estrelado. Ouvir coros mistos que parecem estrelar musicais no céu. Mastigar a perfeição macia de bolinhos financier. Respirar chuva, terra, umidade e mata.

Saber que fórmulas (algumas) variam e a conta não é exata.

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