quinta-feira, 4 de março de 2021

Fim de papo

Mais uma daquelas matérias (da revista Superinteressante, no caso) com que me identifico inteirinhamente, e tenho certeza de que não apenas eu. Tudo começou quando o pesquisador Adam Mastroianni, no tempo de seu mestrado em Oxford, foi a um evento de gala e, por algum motivo – imagino que não um motivo lisonjeiro para as pessoas presentes no tal evento –, deu de se perguntar se os papos que por lá ocorriam não eram, em grande parte, sustentados sem a vontade genuína dos interlocutores e somente em nome do receio que normalmente se tem de parecer antipático encerrando uma conversa. De volta a Harvard, Mastroianni organizou estudos sobre a questão; primeiro, ele e sua equipe de psicólogos questionaram (online) mais de 800 almas a respeito do último diálogo que estas haviam mantido, e descobriram que, apesar de a maioria ter papeado com amigos, amados ou familiares, mais de 66% achavam que a prosa se estendera para além do necessário. Hum, compreendo.

Em outro momento, os acadêmicos convocaram 252 voluntários que não se conheciam, dividiram-nos em duplas e os mandaram conversar sobre o que quisessem, numa sala à parte, por no máximo 45 minutos (embora o teretetê pudesse ser finalizado a qualquer instante, a gosto dos fregueses). Depois os participantes responderam a questionários individuais, e adivinhem: de acordo com o feedback, apenas 2% dos diálogos terminaram quando ambos os interlocutores queriam; 69% dos voluntários consideraram as blablablices exteeeensas demais. No entanto, por mais que já estivesse bom de acabar para os dois proseadores, pelo menos em 63% dos casos os elementos da dupla julgaram mal a intenção um do outro – cada qual achando erroneamente que seu parceiro estava a fim de seguir com a interação –, e a consequência foi o espichamento do papo para não se incorrer em suposta grosseria. Concluem os pesquisadores (e a matéria): "Esses estudos sugerem que encerrar conversas é um 'problema de coordenação' clássico. Humanos são incapazes de resolvê-lo porque exige informações que normalmente escondemos uns dos outros".

Entendo o mecanismo analisado pelos psicólogos muito mais do que eu gostaria, já que sou a rainha da culpa em termos de dar um basta nos diálogos – pior: meu apetite por interações verbais com áudio costuma ser tão ínfimo quanto minha capacidade de interrompê-las. Não é que eu odeie conversar sempre e com qualquer um, também não sou assim tão ogra, mas de modo geral sou muitíssimo mais fã de silêncio ou, no máximo, de atividades sonoras controláveis – ligar a TV quando me apraz e tacar-lhe o mute quando a falação me impede de pensar, por exemplo –; motivos não me faltam, portanto, para ODIAR telefone com todas as vísceras, todas as menores células de todos os órgãos, e ficar absolutamente louca de desespero se me ligam e NÃO É ENGANO: me sinto refém de uma demanda que poderia tranquilamente ter sido um e-mail, me vejo sequestrada dentro da própria casa (sim, só dentro de casa, porque é só o fixo que atendo e olhe lá; o celular fica eternamente desligado. Não sou médica, pitombas!). Foi mal, gente, não consigo evitar o ver-me transtornada quase toda vez que alguém encadeia assunto; e por isso mesmo, numa tentativa de me redimir pelo desconforto, me esforço herculeamente para conservar a atenção (que é volátil como o quê) e não parecer indelicada. Fosse eu voluntária da pesquisa harvardiana, provavelmente trocaria figurinhas com meu interlocutor até os 45 minutos do segundo tempo, ainda que estivesse falecendo dez anos por segundo.

Precisando, faço a social com grande facilidade e talvez alguma simpatia, mas dificilmente com prazer. Já avisei sobejamente: sou um bicho do mato nascido urbano e criado urbano, que ama pessoas sem necessariamente amar a convivência com elas durante longos períodos, não por considerá-las desimportantes – de jeito nenhum; que há mais importante no mundo do que pessoas? –, e sim por me considerar muito pouco talhada para lhes ser agradável e suficiente nesse tanto. A fim de compensar minha pouca vocação para a presença constante e física, busco pelo menos, ao ouvir, ouvir com a maior dose alcançável de empatia, de respeito, de ternura; ser o monstrinho arredio que sou me dá bem a medida do quão pouco estou apta para apontar o dedo a esquisitices ou julgar misérias íntimas. Inclusive não me oponho nada a ouvir misérias íntimas em confidência; obviamente, não por fofoca (que desprezo), mas pela dupla razão de meu interesse faminto na psiquê humana e de meu interesse sedento em contar com um tema de conversa que não sejam obviedades, lugares-comuns, fake news, autobiografias, meteorologias, small talk, papinho de elevador. Na verdade, creio bem que é quase sozinha que a psiquê humana me interessa, e que é bastante raro, num tête-à-tête, o que fora disso me importa.

(Mesmo assim, não serei eu a gritar o corta.)

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