domingo, 4 de abril de 2021

Cresça e reconheça


Completaria hoje 93 anos a lindona Maya Angelou, ou Marguerite Ann Johnson, como contava a certidão. Falecida em 2014, Maya não chegou a testemunhar o mundo em período de pandemia colossal; se testemunhasse, porém, acredito não dissesse algo tão diferente do que já dissera com relação às alminhas sem luz que se limitam a rodar quilometragem no planeta: "A maioria das pessoas não cresce. A maioria das pessoas envelhece. Elas encontram vagas de estacionamento, honram seus cartões de crédito, casam-se, têm filhos e chamam isso de maturidade. O que é isso: isso é envelhecer".

Isso é envelhecer, amigos – sem tirar, mas pondo anos e mais anos em aglomeração uns com os outros, quase em pasmada passividade. Quase porque, claro, sequer se envelhece em passividade completa, há que se cumprir cada requisito de sobrevivência; fora isso, fora essa manutenção da vida impulsionada pelo orgânico, pelo biológico, o engordamento da idade é coisa compulsória, que se realiza sem pedir muito de nossa anuência e sem nos fornecer, em troca, um grande tanto de mérito. Evidentemente há os processos que não são biológicos no senso estrito, mas o são no lato, como encontrar as vagas e honrar os cartões de que falou a autora: habilidades entranhadas à vida moderna e urbana, na qual, se normalmente não precisamos nos orientar por sol e estrelas nem fazer fogo com pedrinha, em compensação não escapamos ao mínimo conhecimento sobre trajetos de ônibus e metrôs, uso de caixas eletrônicos e captura de QR codes. Desenvolver uns tais skills da cidade – precisâncias gerais que estão dentro das precisâncias fundamentais de locomoção, lazer, abrigo, alimentação, acasalamento (ai, como eu tô naturalista) – não nos torna maduros, só nos torna mamíferos adultos adaptados ao ambiente. Primatas bem-sucedidos com um bocadinho mais de verniz.

Maturidade humana, mesmo, honrosamente nossa e propriamente dita, vem com skills bem outros: uma sólida, desembaraçada, eficiente interpretação de texto, manhosa e esquadrinhadora o bastante para fugir a arapucas de manipulação; uma (como extensão da primeira) firme honestidade intelectual, limpa de preconceitos, sensível a argumentos, a evidências, e consequentemente capaz de se inclinar para o justo ainda que uma mudança da opinião inicial seja requerida; uma força considerável de empatia (o que NÃO significa abonar quaisquer comportamentos, mas sim compreender suas razões); e uma índole decisivamente soprada por bons ventos, o que embala também decisivamente todo o buquê de predicados – já que, sem a disposição de agir pelo benefício coletivo, danou-se a perspicácia, danou-se a inteligência: vira tudo uma sagacidade perigosa. Ordenha-se fácil o pacotão completo da maturidade a partir dessas quatro joias do infinito; a pessoa generosa, intelectualmente honesta, com boa percepção dos demais e do mundo contém, sem dúvida, a cota necessária de responsabilidade para executar devidamente seu trabalho, a quantidade essencial de lucidez para reivindicar o que lhe é de direito, a porção indispensável de serenidade para encarar perdas sem descontrole, a dose imperativa de brio para não se infantilizar, não manipular, não se aceitar escrava nem algoz numa relação. Extrai-se daí, enfim, um bom e velho adulto humano – aquele ser fantástico que tem autonomia emocional mesmo que a não tenha física, aquela entidade incrível que não se põe nem no centro nem na margem da história: põe-se no fluxo do texto. No contexto.

A todos que já fizeram sua Páscoa da infância moral para a posse madura de si, um feliz, feliz, feliz! hoje, com todas as suas amplitudes. Aos que ainda estão voluntária ou involuntariamente pendentes de uma realidade alternativa na qual não se comandam e não se encaixam: que a grande pedra role, em breve, de cima de seu discernimento, e o libere para a luz à qual pertence. Não tarde muito mais, assim, o abraço na vida plena e consciente que os aguarda fora da caverna.

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