quarta-feira, 28 de abril de 2021

O som ao redor


Vizinha de prédio que ri o dia inteiro à moda bruxesca de desenho animado (não estou exagerando; brotem na área para constatar).

Vizinho de prédio que espirra constantemente com tal FÚRIA que lhe gritam "Saúde!!" de outro apê ou edifício, ao que ele devolve "Obrigado!!" na mesma vibe de comunitarismo extremo.

Vizinhos de outro prédio que tretam tamanhamente aos berros – pai com mãe, mãe com filha adolescente, pai com filha adolescente – a ponto de todo o quarteirão chegar à janela, assuntante, durante as sessões (naturalmente só sei disso por chegar, assuntante, à janela).

Vizinho de outro andar que brinca sempre RRRRRAAAAAWWRRRRR de virar monstro e perseguir os filhos pequenos. Por quê, Senhor.

Vizinho de corredor que, de maneira totalmente supérflua a quem não tem o tamanho de um estegossauro, escancara a porta do elevador até arrastá-la RRRRRRAAAAAANFT! num altinho do chão, para minha diária exasperação e iminente enfarte.

Vizinho canino salsichinha que entra em crise existencial ao mais tênue tlinc-tlinc de chaveiro.

Esse tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum ritmado e intenso que eu nunca soube de que parede vem, e se é máquina de lavar, vida sexual bem loka ou partidas diuturnas de Jumanji.

Maritacas voando em-bandomente malucas. Miquinhos assobiando de dia. Morcegos assobiando de noite.

Alguma ave cujo canto estranhíssimo e perguntativo volta e meia reaparece: "Tem alguém aqui? Tem alguém aqui?".

Pelo menos uma criança capaz de choraaaaaaaaar! aaaaaaaa! aaaaaaaaa! aaaaaaaaa! aaaaaaaaa! numa exata e mesma nota, num exato e mesmo tom, por hooooooras a fio. Chorar sem lágrimas, me parece, mas com uma teimosia pulmonar de dar esperanças às novas gerações de puxadores de samba.

Geladeira soltando PACT!, na bandeja interna, súbitos granizos de autodegelo, em mais um capítulo de Complô para me enfartar no silêncio da madrugada.

Televisão da vizinha de baixo LIGANDO SEMPRE NO ÚLTIMO VOLUME E PARECENDO ESTAR AQUI DENTRO DO QUARTO ATé a vizinha assumir o controle.

Vendaval aloprando a "franjinha" do toldo que protege a varanda, e aloprando o toldo mesmo – cuja integridade física nos põe com razão apreensivos, visto que o anterior por pouco não fez a passagem para Oz.

Vizinho da treta-aos-berros-no-outro-prédio falando escandalosamente ao telefone em seu terracinho e assistindo escandalosamente ao jogo do Flamengo (sim, é tradição de família providenciar que tudo seja executado escandalosamente, e o êxito tem sido completo).

Mensageiros dos ventos tilintilintilando que a chuva, agora, está vindo para cá.

Chuva, chuva, chuva, chuva – veio agora.

Há tanta vida (também) lá fora.

Nenhum comentário: